Mas o que busca, hoje, o público de literatura? As frustrações são cada vez menos dramáticas, os pesadelos, cada vez mais brandos. Curáveis. Há a televisão. As grandes religiões, especializadas na produção de remorsos, sentimentos de culpa e sublimações, foram liquidadas. E a idéia de revolução, que pretendia ser a sua herdeira rebelde, mas legítima, é uma idéia que se tornou até risível. Produziu infinitos lutos e sacrifícios, antes de retornar como uma sombra no reino das sombras.
Todavia, em qualquer estudioso que não tenha um relacionamento asséptico com a literatura moderna, o ensino e a divulgação de obras modernas deveriam criar algum mal-estar. Há mais de um século, talvez há dois séculos inteiros, nossas literaturas soam como atos de acusação, revelações horripilantes, auto-análises implacáveis e destrutivas. Não contêm muitas instruções razoáveis e úteis para que se viva feliz em comunidades e sociedades bem organizadas. Sociedade Industrial e Democracia, Estado Social e Estado total raramente tiveram o apoio, a aprovação, a simpatia e o consenso do que tradicionalmente se chamava Belas Artes, as quais se transformaram em artes infelizes, degradadas ou estéreis. Antes de entrar no triturador das vanguardas organizadas, dos manifestos técnicos e da estética modernista, antes de se tornar, finalmente, pós-moderna, isto é, ornamental, comestível e insossa, a arte moderna foi intratável. Falou nada menos que da possibilidade real do fim do mundo, ou da necessidade moral de que o curso do mundo se detivesse. Havia até uma espécie de Schadenfreude [alegria nociva] em seu modo de apresentar as coisas. E talvez houvesse ambições, visões e promessas maiores do que hoje estamos dispostos a tolerar.
In: Alfonso Berardinelli. Da poesia à prosa. Tradução de Maurício Santana Dias. CosacNaify, 2007.
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