terça-feira, 17 de abril de 2012

DOIS PARÁGRAFOS DE ALFONSO BERARDINELLI

           Mas o que busca, hoje, o público de literatura?  As frustrações são cada vez menos dramáticas, os pesadelos, cada vez mais brandos.  Curáveis.  Há a televisão.  As grandes religiões, especializadas na produção de remorsos, sentimentos de culpa e sublimações, foram liquidadas.  E a idéia de revolução, que pretendia ser a sua herdeira rebelde, mas legítima, é uma idéia que se tornou até risível.  Produziu infinitos lutos e sacrifícios, antes de retornar como uma sombra no reino das sombras.
            Todavia, em qualquer estudioso que não tenha um relacionamento asséptico com a literatura moderna, o ensino e a divulgação de obras modernas deveriam criar algum mal-estar.  Há mais de um século, talvez há dois séculos inteiros, nossas literaturas soam como atos de acusação, revelações horripilantes, auto-análises implacáveis e destrutivas.  Não contêm muitas instruções razoáveis e úteis para que se viva feliz em comunidades e sociedades bem organizadas.  Sociedade Industrial e Democracia, Estado Social e Estado total raramente tiveram o apoio, a aprovação, a simpatia e o consenso do que tradicionalmente se chamava Belas Artes, as quais se transformaram em artes infelizes, degradadas ou estéreis.  Antes de entrar no triturador das vanguardas organizadas, dos manifestos técnicos e da estética modernista, antes de se tornar, finalmente, pós-moderna, isto é, ornamental, comestível e insossa, a arte moderna foi intratável.   Falou nada menos que da possibilidade real do fim do mundo, ou da necessidade moral de que o curso do mundo se detivesse.  Havia até uma espécie de Schadenfreude [alegria nociva] em seu modo de apresentar as coisas.  E talvez houvesse ambições, visões e promessas maiores do que hoje estamos dispostos a tolerar.

In: Alfonso Berardinelli.  Da poesia à prosa. Tradução de Maurício Santana Dias.  CosacNaify, 2007.

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