VÉSPERA
e como eu lambesse a cria
a cada passo do caminho
parece que das coisas ficava
cada vez menos vestígio
a sombra de morto desejo
em parede repentina
tornada risco futuro
e logo rasurada a frio
o olho que, percebi, foi indo
a cada passo sozinho
distante do corpo resto
que a distância parecia
fazer menção de segui-lo.
e nada. muito tropeço
por vir, muito novelo, muito
amargo qui nem jiló
a cada passo do caminho.
parece que é fictício esse
jeito de ir tocando, parece
que alguma porta, de cara
para a aurora me espera.
parece. de mim para mim
pergunto, entre penugem de coxas,
vencido o atrito do brim
na pele da boa amiga.
que desafio o tédio
no seu silêncio espreita?
como prosseguir, invento
a pergunta em bom cinismo
que é só um modo de fala
(as pessoas, duas a duas,
não fazem mais do que sala
não querem mais nada a não
ser que a luz se apague
e se resfoleguem nuas
saudosas de habitarem
ilhas que durem apenas
a firme poesia da carne).
por que resisti à sedução
e fiquei por aqui? lambendo
palavras que nem escrevi.
nem chega a suicídio
nem cheira à combustão
do que neguei à escrita
e não queima, como queima
esta casa, sim, esta cara
a dispersão da vida
água de espanto feita
queimada de matéria fruto
não-palpável de pouca
crença. creio que é queimar
o mudomonstrengo que pesa
e em sua queda me cria
cria de no entanto nada.
A tal chama o tal
fogo, meu primeiro livro, saiu em 2008, mas reunia poemas escritos em sua
maioria na década de 1980. Os mais novos
eram textos escritos em 1989, como este postado acima. Para sua publicação em livro eu fiz algumas
alterações de acabamento em relação ao texto de praticamente vinte anos antes.
Roberto Bozzetti. A tal chama o tal fogo. Oficina Raquel, 2008.
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