JOÃO GILBERTO, 1971
- Eu estava então muito descontente com aqueles vibratos
dos cantores – Mariiiiina moreeeeena Mariiiiiiiina você se pintoooooooou – e
achava que não era nada disso. Acabei me desligando também do conjunto e passei
a trabalhar sozinho. Uma das músicas que
me despertaram, que me mostraram que podia tentar uma coisa diferente foi “Rosa
morena”, do Caymmi. Sentia que aquele
prolongamento de som que os cantores davam prejudicava o balanço natural da
música. Encurtando o som das frases, a
letra cabia certa dentro dos compassos e ficava flutuando. Eu podia mexer com toda a estrutura da
música, sem precisar alterar nada. Outra
coisa com o que eu não concordava eram as mudanças que os cantores faziam em
algumas palavras, fazendo o acento do ritmo cair em cima delas para criar um
balanço maior. Eu acho que as palavras
devem ser pronunciadas da forma mais natural possível, como se estivesse
conversando. Qualquer mudança acaba
alterando o que o letrista quis dizer com seus versos. Outra vantagem dessa preocupação é que, às
vezes, você pode adiantar um pouco a frase e fazer às vezes com que caibam duas
ou mais num compasso fixo. Com isso, pode-se
criar uma rima de ritmo. Uma frase
musical rima com a outra sem que a música seja artificialmente alterada. (...)
Geralmente, o cantor se preocupa com a voz emitida da garganta e sobe muito,
deixando o violão – ou qualquer outro instrumento de acompanhamento – falando
sozinho lá embaixo. É preciso que a voz
encaixe no violão com a precisão de um golpe de caratê, e a letra não perca sua
coerência poética.
JOÃO CABRAL DE MELO NETO, 1994:
- Para mim, a poesia é uma construção, como uma
casa. Isso eu aprendi com Le
Corbusier. A poesia é uma
composição. Quando digo composição,
quero dizer uma coisa construída, planejada – de fora para dentro. Ninguém imagina que Picasso fez os quadros
que fez porque estava inspirado. O
problema dele era pegar a tela, estudar os espaços, os volumes. Eu só entendo o poético nesse sentido. Vou fazer uma poesia de tal extensão, com
tais e tais elementos, coisas que eu vou colocando como se fossem tijolos. É por isso que eu posso gastar anos fazendo
um poema: porque existe planejamento. (...) Na verdade, salvo O rio e Morte e vida Severina, o resto de minha obra permite múltipla
leitura, embora nada me tenha surpreendido.
O sujeito faz uma obra e ponto final.
O espectador vê essa obra como ele quiser. (...) A minha ideia racionalista
de escrever é uma coisa que eu me imponho.
Eu não escrevo ambiguidades, penso que todos vão ler da mesma maneira,
mas não posso impedir que outras pessoas leiam de outra maneira. Você pensa que cria uma obra o mais racional
possível, pensando que ela vai ser recebida daquela maneira. Mas não é o que acontece.
In: João Gilberto. Org. Walter Garcia, CosacNaify, 2012.
In: João Cabral de Melo
Neto. Cadernos de Literatura Brasileira,
n. 1. Instituto Moreira Sales, 1996.
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