quinta-feira, 18 de outubro de 2012

JOÃO. JOÃO.





 

JOÃO GILBERTO, 1971

            - Eu estava então muito descontente com aqueles vibratos dos cantores – Mariiiiina moreeeeena Mariiiiiiiina você se pintoooooooou – e achava que não era nada disso. Acabei me desligando também do conjunto e passei a trabalhar sozinho.  Uma das músicas que me despertaram, que me mostraram que podia tentar uma coisa diferente foi “Rosa morena”, do Caymmi.  Sentia que aquele prolongamento de som que os cantores davam prejudicava o balanço natural da música.  Encurtando o som das frases, a letra cabia certa dentro dos compassos e ficava flutuando.  Eu podia mexer com toda a estrutura da música, sem precisar alterar nada.  Outra coisa com o que eu não concordava eram as mudanças que os cantores faziam em algumas palavras, fazendo o acento do ritmo cair em cima delas para criar um balanço maior.  Eu acho que as palavras devem ser pronunciadas da forma mais natural possível, como se estivesse conversando.  Qualquer mudança acaba alterando o que o letrista quis dizer com seus versos.  Outra vantagem dessa preocupação é que, às vezes, você pode adiantar um pouco a frase e fazer às vezes com que caibam duas ou mais num compasso fixo.  Com isso, pode-se criar uma rima de ritmo.  Uma frase musical rima com a outra sem que a música seja artificialmente alterada. (...) Geralmente, o cantor se preocupa com a voz emitida da garganta e sobe muito, deixando o violão – ou qualquer outro instrumento de acompanhamento – falando sozinho lá embaixo.  É preciso que a voz encaixe no violão com a precisão de um golpe de caratê, e a letra não perca sua coerência poética.


JOÃO CABRAL DE MELO NETO, 1994:

            - Para mim, a poesia é uma construção, como uma casa.  Isso eu aprendi com Le Corbusier.  A poesia é uma composição.  Quando digo composição, quero dizer uma coisa construída, planejada – de fora para dentro.  Ninguém imagina que Picasso fez os quadros que fez porque estava inspirado.  O problema dele era pegar a tela, estudar os espaços, os volumes.  Eu só entendo o poético nesse sentido.  Vou fazer uma poesia de tal extensão, com tais e tais elementos, coisas que eu vou colocando como se fossem tijolos.  É por isso que eu posso gastar anos fazendo um poema: porque existe planejamento. (...) Na verdade, salvo O rio e Morte e vida Severina, o resto de minha obra permite múltipla leitura, embora nada me tenha surpreendido.  O sujeito faz uma obra e ponto final.  O espectador vê essa obra como ele quiser. (...) A minha ideia racionalista de escrever é uma coisa que eu me imponho.  Eu não escrevo ambiguidades, penso que todos vão ler da mesma maneira, mas não posso impedir que outras pessoas leiam de outra maneira.  Você pensa que cria uma obra o mais racional possível, pensando que ela vai ser recebida daquela maneira.  Mas não é o que acontece.




In: João Gilberto.  Org. Walter Garcia, CosacNaify, 2012.

In: João Cabral de Melo Neto. Cadernos de Literatura Brasileira, n. 1.  Instituto Moreira Sales, 1996.

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