domingo, 3 de novembro de 2013

CIRCUNVAGANDO NAS BIOGRAFIAS


Não tinha lido a coluna de Caetano Veloso do domingo passado, o que fiz agora (pelo andar da carroça aqui no brejo, domingo que vem eu devo ler a de hoje), mas tem ali duas passagens dignas de nota, que comento e transcrevo:

  1. quanto ao interesse que o assunto “biografias”  despertou, diz Caetano, “pelo visto nas folhas e nas redes, o interesse é enorme, embora não pareça ser pelo que é discutível na questão, e sim pela oportunidade de agredir quem ganhou prestígio no Brasil, país que ainda precisamos tanto provar que não vale nada nem poderá nunca valer nada”.  Não querendo endossar tudo, uma vez que sou mais acometido do que Caetano por esse sentimento de que “nada dará certo no Brasil”,  mas há aqui carradas de razão, sendo alguma coisa que me chamou a atenção nos primeiros comentários dos poucos que fiz no Facebook : impressionante a massa acrítica de ódio despejado sobre essas figuras (em especial Caetano e parece que sabemos tacitamente por que), facilmente perceptível   na recusa em se discutir o que há de discutível em tudo aí (a começar pelo posicionamento inicial deles, artistas, em linhas gerais bem capenga).  Não é também o caso de se simplificar tanto, mas eu sou do clã do Tom Jobim, que dizia com todas as letras “brasileiro odeia o sucesso, por isso gosta do Garrincha e não gosta do Pelé.”
  2. Caetano, depois de ecoar Ana Maria Machado (que não li), escreve:  “que não ajamos como se a democracia tivesse que escolher entre a censura e a difamação. Será que o tom histérico da imprensa e a psicopatia coletiva das redes são a palavra final? Acho que Chico, Gil e eu não estarmos em posição confortável reafirma nosso histórico, ao invés de desmenti-lo. Eu desconfiaria se os três estivéssemos, ao mesmo tempo, tendo apoio unânime.”
Pois nessa última citação a estocada certeira, que atinge professores de história e de literatura preguiçosos (além de jornalistas, é claro) que ficam repetindo as baboseiras de sempre a respeito de “protesto”,  “resistência” e “heroísmo” dessa geração de artistas, negligenciando os aspectos (alguns muito profundos) que sempre houve de dissenso entre eles.  Parece que o sonho desse pessoal  simplista é deixar a palavra final ao simplista Belchior: “Nossos ídolos ainda são os mesmos etc e tal", a chorumela que todo mundo sabe... A simplificação excessiva faz tanto a reflexão histórica quanto a reflexão literária reféns  do jornalismo diário (que tem de lidar com a pressa mesmo e, por conseguinte, com  a simplificação).  Mas mesmo no jornalismo  há aqueles que não se submetem a isso – e alguns textos produzidos para a imprensa têm sido muito honestos  na tentativa de se entender o imbróglio, sem querer livrar a cara de nenhum “ídolo”  – e o imbróglio,  de resto, vai muito além de uma discussão circunscrita a eles. Mas, claro, não pode incluir a sério em nenhuma instância o que diz um Bolsonaro a respeito.

Que a “turma da MPB” nunca tenha sido um bloco unitário e coeso estudiosos sérios (de história, de música  e de literatura) já o demonstraram. Que essa ilusão tenha se perdido para sempre num certo réveillon em Copacabana e não se tenha prestado a devida atenção a isso, bom... lamente-se.  Não acho que se deva tratar a questão por um lado simplificadoramente esteticista, longe disso, mas da forma como tenho visto ser abordado tem alguma razão quem o fizer, ainda que apenas por tédio (eu mesmo tenho me acusado disso): e assim é porque  as obras deixadas por eles (tiro a média da turma) e a importância que elas têm para a discussão cultural brasileira  são superiores a suas circunstâncias históricas, ainda mais se ficarmos chafurdando nessa coisa menor da fofoca.   E afinal, as circunstâncias históricas que alimentaram essas mesmas obras foram em geral tratadas nelas com admirável competência, poder de provocação e profundidade.  Além de terem estado longe de ser recebidas, tais obras,  – convém não esquecer que são mais de 40 anos de estrada – com aplausos unânimes em nenhum momento.
Em resumo, ainda que apenas vadio e em nível de mero pitaco (que, aliás, acabo de descobrir, não é uma palavra dicionarizada): um esteticismo domingueiro – e no entanto produtivo, estou aqui às voltas com um texto de mais fôlego – me obriga deixar claro que amo todos que citei, mesmo implicitamente, acima: e reafirmar que amo muito Tom e igualmente Pelé e Garrincha.  Mas Belchior, menos.  E Paulinho da Viola, mais que todos.




P.S: Não, uma foto incluindo Paulinho da Viola não pode ser tomada como equívoco ou relaxamento de minha parte: ele não é o J. Pinto Fernandes da história.

Um comentário:

  1. Nossa, adorei esse texto. Muito bom, ótimas reflexões... Parabéns Bozzetti.

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