... vejam
só! descobri que este blog, que navega levianamente ao léu como um barco
bêbado, contrariamente ao que se esperaria talvez de um empreendimento que à
frente tem um professor doutor em
literatura, nunca publicou um poema, um mísero poema de FRANCISCO ALVIM, um dos
poetas que mais amo dentre os surgidos da década de 1970 para cá. Como é daquelas coisas que me soam
inexplicáveis, para tirar o atraso e saldar a dívida vai aqui logo uma leva de
sua poesia admirável, parente da prosa de Machado e Dalton Trevisan.
HISTÓRIA ANTIGA
Na época
das vacas magras
redemocratizando
o paísgovernava a Paraíba
alugava de meu bolso
em Itaipu uma casa
do Estado só um soldado
que lá ficava sentinela
um dia meio gripado
que passara todo em casa
fui dar uma volta na praia
e vi um pescador
com sua rede e jangada
mar adentro saindo
perguntei se podia ir junto
não me reconheceu partimos
se arrependimento matasse
nunca sofri tanto
jogado naquela velhíssima
jangada
no meio de um mar
brabíssimo
voltamos agradeci
meses depois num despacho
anunciaram um pescador
já adivinhando de quem
e do que se tratava
dei (do meu bolso) três contos
é para uma nova jangada
que nunca vi outra
tão velha
voltou o portador
com a seguinte noticia
o homem não quer jangada
quer um emprego público
O problema do coelho
é que estava muito bom
mas
não tinha carne
QUER VER?
Escuta
ARGUMENTO
Mas se
todos fazem
GREGORINHO
Mata o
cachorro
e quando a
dona acha ruimdiz
cala a boca senão vai junto
RESTO DE VIDA
A segurança
nacional
está acima
das legendas partidáriaso azar é dele
que quis enfrentar o Governo
só entra nessa quem quer
se um dia acontecer qualquer coisa aqui
vou morar na Suíça
onde tenho dinheiro para viver –
e muito bem –
o resto da vida
DISCORDÂNCIA
Dizem que
quem cala consente
eu por mimquando calo dissinto
quando falo
minto
SEM DENTES
Como vai?
Desse jeito
CASA PRÓPRIA
O emprego
não me
cheira bemmas o dinheiro
cheira
LUTA LITERÁRIA
Eu é que
presto
DISSERAM NA CÂMARA
Quem não estiver seriamente preocupado e
perplexo
não está bem informado
MEU FILHO
Vamos viver
a era do centauro
metade
cavalometade também
LEOPOLDO
Minha
namorada cocainômana
me procura
nas madrugadaspara dizer que me ama
Fico olhando as olheiras dela
(tão escuras quanto a noite lá fora)
onde escondo minha paixão
Quando nos amamos
peço que me bata
me maltrate fundo
pois amo demais meu amor
e as manhãs empalidecem rápido
1. No cerne do instante
nada nos vê nada vemosnão nos explica o que somos
o que seremos
Matéria sem sonhos – nítida
matéria – nele nos temos
Sou astro, não sou estrela
meu calor não irradia –
a chama que me aquece
é fria
2. Sou astro, não sou estrela
minha luz não ilumina –
é lâmina com que me sangro
a retina
Francisco Alvim. Poemas (1968-2000). 7Letras; CosacNaify, 2004.
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