sábado, 13 de junho de 2015

ADRIANO NUNES



 
 
RECADO FIXO À PORTA DA GELADEIRA

 

Eros, por favor, ao saíres, recolhe
As lembranças ardentes que em mim deixaste
De outra boca, as intermináveis tardes
Que ainda ardem sobre o colchão e as colchas,
Todas as fotos rasga, em diversos cortes,
Lança-as no fogo do olvido, a vista é tola,
Pode querer reaver o que não vale
Simples sinapse, outra ilusão, saudade.
Porém, ouve bem, deixa a prova dos nove –
As fendas das flechadas abertas, todas!
Pra que em busca de catarse bem me mova.
E também por mim último ato faze:
Leva o cão para passear, lava a louça,
E volta, à madrugada. Será que podes?
 
 

Adriano Nunes. Quarenta contente cantante. Porto Alegre: Vidráguas, 2015.

          Para o livro de quarenta  poemas com que comemora seus 40 anos , o poeta Adriano Nunes gentilmente convidou-me a que escrevesse a orelha, o que muito me alegrou,  e o fiz nos seguintes termos:

         “Numa redoma antibárbara do mundo virtual, no meio da mais torpe barbárie, costumo encontrar Adriano, o poeta de báratros e empíreos,  o estudioso incansável, o tradutor aceso,  o curioso infindo, laboratorista de acasos.  
         Muito me orgulha sempre que me diz que adoraria ter tido a chance de ser  meu aluno.  E mais: vivendo nós dois na casa na poesia-amizade, ele diz generoso: “No fundo, creio na humanidade. Por isso escrevo”  Ai de nós se não crêssemos ou se pararmos de crer, lhe digo.  Ou melhor: ai do mundo se Adriano Nunes parar de crer.”

          Com o livro em mãos, de fatura belíssima, capa de Gal Oppido e projeto gráfico ao mesmo tempo muito arrojado e elegante a cargo de Niura Fernanda, a edição muito caprichada da Vidráguas me pôs diante do impasse de escolher entre três dos poemas de minha especial predileção.  Acabei optando por este “soneto disfarçado” – chamo-o assim quase como uma desculpa por  não incluí-lo na seção “Ah, um soneto...” aqui do blog, onde não faz muito tempo postei um  do poeta.  É um soneto inteiriço, esteado sobre a cantante sonoridade – para fazer jus ao título do livro – do hendecassílabo, com um ar, quer  imagético, quer  do próprio fraseado, (sem dúvida nenhuma tem a ver com a maneira como se apropria do tema), um ar que remete à poesia beat, certamente movido, mesmo que um tanto  à revelia – conjeturo – de processos conscientes, pela larga  intimidade do poeta  com o idioma inglês. É belíssimo o  recado de Adriano a um, quiçá, disponível Eros.

 

Um comentário:

  1. Que tempo bom tecemos, salve a Poesia que enlaça, abraça, expande-se... Gracias por estares junto Bozzetti. Beleza de leitura e viva Eros!.

    Carmen Silvia Presotto - Vidráguas!

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