CANÇÃO SEM VELÓRIO
Tanto faz onde me enterrem
a água vai levar tudo
as cinzas, se me cremarem
tomarão rumo de esgoto
engarrafando o emissário
ou chegarei lá nas Cagarras
ou qualquer outro arquipélago
agregado a mil dejetos
cumprindo a fatalidade
deste tempo em mim inscrita.
Deste tempo em mim inscrito
a água vai levar tudo
cravejado de adesivos
QR codes, códigos
indícios de assassinatos
tempos idos e vividos
encharcados e afogados
chegarão lá nas Cagarras
tudo imenso arquipélago
no pélago das mandíbulas
de assassinos planetários
cumprindo a fatalidade
tanto faz onde me enterrem
melhor que me deixem à tona
em cardume de podridos
descurado do planeta
negligente do universo
trânsfuga de igrejas
desertor de falsos deuses
tanto que me empenhei
pra água me colher cedo
liquefazer remotos ossos
revestidos de adiposes
de carvão fóssil derivados
povoado de adjetivos.
De toda matéria extinta
o amálgama se incompleta
a água levará tudo
tanto faz que não me enterrem
tanto tempo acreditamos
em rituais benfazejos
encomendas a divindades
ritos de passagem tolos
magias do insondável
luto a ser respeitado
e tudo era só um lixão
retratos assinaturas
eletrodomésticos joias
documentos em braile
conversas criptografadas
divindades de encomenda
enquanto também na torrente
a coroa mais cara enviada
saudades eternas inscritas
segue o
périplo do nada.
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