sexta-feira, 24 de maio de 2024

CANÇÃO SEM VELÓRIO


 

CANÇÃO SEM VELÓRIO
 
Tanto faz onde me enterrem
a água vai levar tudo
as cinzas, se me cremarem
tomarão rumo de esgoto
engarrafando o emissário
 
ou chegarei lá nas Cagarras
ou qualquer outro arquipélago
agregado a mil dejetos
cumprindo a fatalidade
deste tempo em mim inscrita.
 
Deste tempo em mim inscrito
a água vai levar tudo
cravejado de adesivos
QR codes, códigos
indícios de assassinatos
 
tempos idos e vividos
encharcados e afogados
chegarão lá nas Cagarras
tudo imenso arquipélago
no pélago das mandíbulas
 
de assassinos  planetários
cumprindo a fatalidade
tanto faz onde me enterrem
melhor que me deixem à tona
em cardume de podridos
 
descurado do planeta
negligente do universo
trânsfuga de igrejas
desertor de falsos deuses
tanto que me empenhei
 
pra água me colher cedo
liquefazer remotos ossos
revestidos de adiposes
de carvão fóssil derivados
povoado de adjetivos.
 
De toda matéria extinta
o amálgama se incompleta
a água levará tudo
tanto faz que não me enterrem
tanto tempo acreditamos
 
em rituais benfazejos
encomendas a divindades
ritos de passagem tolos
magias do insondável
luto a ser respeitado
 
e tudo era só um lixão
retratos assinaturas
eletrodomésticos joias
documentos em braile
conversas criptografadas
 
divindades de encomenda
enquanto também na torrente
a coroa mais cara enviada
saudades eternas inscritas 
 segue o périplo do nada.

 

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