A MÃO RECEBE O SALÁRIO
A face de lua negra
sobre as moedas vermelhas,
o pagador nos espera.
Somos apenas um número
e a dúvida. Vamos em fila
como os mendigos num sábado.
Lá fora, o pássaro voando,
a rosa crescendo, um cão
no alpendre, um peixe no azul.
Nosso nome declamado.
Os algarismos se dobram
como acrobatas na cena.
A mão recebe o salário,
confere as cédulas: não chega!
Não chega. O mundo escurece...
Vejo piscinas no céu,
autos voando, navios
partindo para o nunca mais.
Escuto as risadas amplas
no prédio ao lado. Adivinho
a alegria dos meus donos.
Observo de novo as cédulas:
retratos de heróis, cidades,
as guanabaras em flor...
Cédulas inúteis, não cobrem
a dor dos dias perdidos.
Conto de novo, não chega...
Volto ao lar como um vencido.
O vento do sul nos cabelos,
o soluço dos pés na pedra.
Vergonha das mãos vazias.
Penso no filho, a merenda
escolar entre os cadernos.
Vejo a mulher, Mao no rosto,
os olhos na esquina, à espera
de um vulto lento na tarde.
E teu brinquedo, meu filho?
Mulher doente, e o remédio?
Quero gritar, mas não devo.
Brusco, atravesso a sala
sento à mesa, peço o prato,
mastigo a dor em silêncio.
Mãe e filho chegam tímidos,
sentam-se ao lado, me olham.
Calados, compreenderão.
In: Antologia da nova
poesia brasileira, 2 ed., Orfeu, 1970.
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