De MATÉRIA DE POESIA
Muita coisa se poderia fazer em favor da poesia:
a – Esfregar pedras na paisagem.
b – Perder a inteligência das coisas para vê-las.
(Colhida em Rimbaud)
c – Esconder-se por trás das palavras para mostrar-se.
d – Mesmo sem fome, comer as botas. O resto em Carlitos.
e – Perguntar distraído: – O que há de você na água?
f – Não usar colarinho duro. A fala de furnas brenhentas de Mário-pega-sapo era nua. Por isso as crianças e as putas do jardim o entendiam.
g – Nos versos mais transparentes enfiar pregos sujos, teréns de rua e de música, cisco de olhos, moscas de pensão...
h – Aprender a capinar com enxada cega.
i – Nos dias de lazer, compor um muro podre para os caramujos.
j – Deixar os substantivos passarem anos no esterco, deitados de barriga, até que eles possam carrear para o poema um gosto de chão – como cabelos desfeitos no chão – ou como o bule de Braque – áspero de ferrugem, mistura de azuis e ouro – um amarelo grosso de ouro da terra, carvão de folhas.
l – Jogar pedrinhas nim moscas...
Manoel de Barros. Gramática expositiva do chão (Poesia quase toda). Civilização Brasileira, 1990.
Nenhum comentário:
Postar um comentário