quarta-feira, 12 de junho de 2013

O DIA EM QUE FAUSTÃO ME PARABENIZOU POR CONTA DE AÉCIO


        Se o desavisado leitor bateu com os costados aqui neste blog, achando que o Faustão em questão é o Fausto Silva, devo dizer que pode xingar e desistir: não, querido e incauto leitor, o Faustão aqui não é o Silva das tardes domingueiras na Globo e,  naqueles tempos em que se passa a breve estorinha que vou contar,  ele era apenas o perdido na noite paulistana.  E aqui acaba a referência a ele, tchau.  Já o Aécio é ele mesmo, o Aébrio Neves, dublê de bon-vivant e de  atual presidente do PSDB, dublê nada, um talento múltiplo pra coisa alguma  que não seja estar em evidência.  E a gente ia começar a saber disso  justo por aqueles dias, em torno do enterro do avô dele, o Tancredo, quando sua  figura chorosa comovia quem está sempre disposto a se comover por qualquer coisa (aliás, o que o avô dele fez na vida, além de ter herdado a caneta do Getúlio e ter morrido pra nos deixar nas mãos de Sarney?). Mas tergiverso. O ano devia ser 1985.  1986, talvez?  Tínhamos passado pela ditadura, depois, com a derrota da emenda das eleições diretas para presidente, passáramos também  pelo trauma de ter que aturar a costura pra botar Tancredo no poder, enfim, a decepção maior de todas de ter tido que engolir mesmo Sarney na presidência.  Listando essas coisas aqui me toco de que no Brasil, se bobear, nos sentiremos sempre numa espécie de “ressaca cívica”.

            Bom, mas o assunto é outro. Sem mistérios e sem mais adiamentos: o Faustão em questão  é Fausto Wolff,  acho até que mais merecedor do sufixo de aumentativo ão do que o outro, pois tinha fácil uns dois metros de altura.  Faustino Wolffenbüttel, ou Fausto Wolff,  era um combativo jornalista, bom romancista também (Matem o cantor e chamem o garçom, O equilibrista pede desculpas e cai, além do infantil Sandra na Terra do Antes são ótimos livros) que integrara a turma do Pasquim dos tempos heróicos e que fora um dos últimos a abandonar o barco – naqueles últimos tempos ainda criara o impagável colunista social e escroque Natanael Jebão.


Eu me aproximara de Wolff quando, atrás de capa  e ilustrações para o que seria meu primeiro livro, Pouca vergonha, que acabei não publicando, fui bater um dia, em 1984, na redação do velho hebdomadário – já na Rua da Carioca, sua última sede. Lá estava a  sua figura imensa, que me acolheu e me ouviu com muita delicadeza,  embora eu mesmo  não soubesse com precisão o que queria;  eu  pensava conseguir, para ilustrar meu livro,  umas figuras sacanas, uns desenhos  a bico de pena que eu me lembrava de ter visto, por conta de sei lá  qual escaninho da memória,   em livros antigos, umas     figuras de anjos, de crianças em jogos de diversão e de ambíguas e sugestivas posições sexuais, uma mescla de candura e safadeza, que de certa forma presidia o espírito daqueles poemas dos meus vinte e poucos anos, e onde  o neocaretismo insuportável de hoje veria indícios indisfarçáveis de pedofilia.  Fausto me disse que achava que tinha, sim, o que eu procurava, e se colocou inteiramente à disposição para me fornecer o material, que ele mesmo recortaria e que eu montaria da forma que achasse melhor para o que pretendia.  Muito gentil, muito solícito, muito afetuoso, me deu telefone e endereço para que eu ligasse e, assim que ele estivesse de posse desse material – acho que ele desencavaria  lá mesmo no Pasquim –,  eu marcasse de pegar com ele.  Assim foi feito alguns poucos dias depois, quando me recebeu em seu apartamento, com várias gravuras, melhores do que eu poderia supor, e travamos uma certa camaradagem.  Saímos dali para beber uns goles e falar da vida, não lembro onde, num boteco qualquer, acho que em Ipanema.  Faustão bebia em doses industriais, eu jamais seria capaz de acompanhá-lo, mas para um pontapé inicial no que parecia ser uma das de sempre para ele longa noite etílica, travamos, se não uma amizade, longe disso, uma cordial camaradagem, que de vez em quando se renovava ao sabor de encontros ao acaso.

            Apesar de nosso pouco contato, não deixa de me comover de certa forma a lembrança  de que, ao ser homenageado com o título de Cidadão Carioca pela Assembléia Legislativa, Faustão fizesse questão de me mandar convite, de dizer que contava comigo lá na sessão solene e, uma vez cumprido o prometido, demonstrasse ter ficado  feliz da vida que eu tivesse ido.  Ficou feliz da vida com todos os que lá estivemos. 

            Mas agora estamos em 1986, eu trabalhava no Centro do Rio, na agência principal da CEF e ia, em horário de almoço, pela Rua da Carioca.  Eis que em frente ao Bar Luiz (aliás, onde mais?), me surge a enorme figura do Faustão a me abrir os braços e a me envolver num abraço enorme a clamar “Parabéns! Parabéns, meu jovem!”  Eu estava com alguém -,não lembro quem - , ele também vinha acompanhado não sei de quem.  Nossos acompanhantes olhavam o efusivo cumprimento sem entender; como, aliás, eu também.  Faustão aumentava o volume e o entusiasmo dos parabéns, além de ficar cada vez mais vermelho de tanto que ria.  Quando resolveu explicar não o fez para mim nem para os que nos acompanhavam, e sim para a Rua da Carioca inteira, que abarcava com o olhar e com uma voz que se projetava por longa extensão.  Dizia mais ou menos isto: “Aproveito para parabenizar você, um jovem como o valoroso jovem que vai presidir a empresa em que você trabalha, afinal a  Caixa Econômica Federal  agora terá no seu comando um jovem de grande valor que nunca fez nada na vida a não ser ser o neto de Tancredo Neves, credenciais suficientes pra que ele possa gerir um banco social, como é a Caixa!”  E ria, seu olhar buscava cúmplice o meu, eu ri muito também com ele, trocamos impressões pasmas sobre o ridículo da situação, sobre o ridículo do país.  Mas Fausto exagerava: Aécio não ia na verdade presidir a Caixa,  ia "apenas" assumir uma importante diretoria na estatal.  Sem, obviamente, jamais ter feito carreira lá.

            Agora que na qualidade de presidente do maior partido de oposição (o sintagma é muito solene pra esculhambação que é a nossa vida político-partidária), Aébrio se põe a fingir que fala grosso (e dá pra notar que está  com a voz um tanto engrolada) ao pedir satisfações ao governo  sobre a confusão com o boato do término do bolsa-família,  talvez eu tenha me lembrado do episódio.  Mas não é isso que vai ficar não.  Como também não vou ficar aqui tecendo considerações sobre a nossa comédia politiqueira.  Em vez disso, prefiro reter a figura de Fausto Wolff, Faustino Wollfenbüttel, Natanael Jebão, admirável jornalista, ótimo escritor, desaforado, amável e irascível flor de pessoa,  combatente do bom combate, um quase amigo do qual me ficaram estas afetivas lembranças.



Nenhum comentário:

Postar um comentário