segunda-feira, 2 de setembro de 2013

FERNANDO PESSOA


O MENINO DA SUA MÃE

 

No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas traspassado
– Duas, de lado a lado –
Jaz morto, e arrefece.


Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.

 
Tão jovem! Que jovem era!
(Agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
“O menino da sua mãe.”

 
Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lhe a mãe. Está inteira
É boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.

 
De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço... Deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo...
 

Lá longe, em casa, há a prece:
“Que volte cedo, e bem!”
(Malhas que o Império tece!)
Jaz morto, e apodrece,
O menino da sua mãe.

 


 

In: Fernando Pessoa. Obra poética.  RJ: Aguilar, 1965.

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