MEU CIGARRO
Nesta árdua
vida vã em que disperso
Energias de
espírito bizarro,Ideal e engenho,
Para o preparo estético do verso,
Afinal,
Eu sempre tenho
Um bom amigo incondicional:
- O meu cigarro –
Amizade de
infância
Rara,Calma e discreta,
Sem interesses, sem invejas e ânsia,
Que é daquele bom tempo estranho privilégio...
E se é verdade que eu nasci de tara
E rumo
De Poeta,
Não é menos verdade que eu já fumo
Desde os vadios tempos de colégio.
O meu Cigarro é boêmio,
Boêmio e fantasista.
É bem o irmão preciso e gêmeo
Desta minh’Alma vagabunda e artista.
Para que
guarde inteiro
O gosto e o
apuroEm que a emoção, por índole, bifurco,
No seu preparo tóxico misturo
A volúpia aromal do fumo turco
E a quente excitação do fumo brasileiro.
Da honesta quietação deste meu quarto,
Em que me prendo e voluntário fico,
Horas inteiras, enfarado e farto
Do vulgar, do comum, da gente oca,
Como eu me sinto independente e rico
De Cigarro à boca...
Se me corre enfadonho
O pesado labor de todo o dia
E procuro esquecer o mal que me entedia,
Fumo um Cigarro e... sonho.
E a Vida que passa,
Como o Cigarro simboliza e alenta!
Se uma ambição de glórias me apoquenta,
Se a fortuna me enleva ou me cativa,
De tudo eu tenho a imagem viva
No azúleo esboço tênue da fumaça.
E se,
irritado, muitas vezes, quero,
Num
protesto sincero,Rebater a maldade,
Que quer que sua voz domine e impere
E que a seu mando
Tudo arrasta e atrai;
Se uma
atitude resistente assumo
Quando, A lastimar o tempo assim perdido
Volto desiludido
À minha tímida simplicidade,
Eu pego no Cigarro e fumo...
Como ele me vinga e me distrai.
Quando,
ingênua, minh’Alma,
Acompanha
do fumo as estranhas volutas,Esquece o real da vida e as venturas astutas
E sonha a vida calma,
Toda de paz e de afeições diletas,
Que o curso natural lhe embarace e lhe entrave,
Eu fico a contemplar, cheio de gozo intenso,
A fumaça que si, leve, azulada e suave,
E, quantas vezes, penso
Que para os bons e os Poetas,
Devia ser assim o caminho da vida.
O meu
Cigarro, demais,
Quase
sempre me dá impressões bem reais.Do bizarro
Coleio em que a fumaça,
Em espirais, se agita,
Da graça
Da forma singular que toma,
Da excitação do próprio aroma,
Da maneira sutil por que me excita,
Quando o seu tóxico reclamo,
O meu Cigarro,
Tem qualquer cousa da mulher que eu amo.
Faz mal aos
nervos o Cigarro, clamam
E o
registram do vício nos acervos...Eu que sou todo nervos e emoções,
Protesto contra os que assim o infamam
E esta mentira médica desminto,
Pois há ocasiões
Em que eu mesmo sinto
Que o meu Cigarro me faz bem aos nervos.
O meu
Cigarro é boêmio,
Boêmio e
fantasista...
É bem o
irmão preciso e gêmeo
Desta
minh’Alma vagabunda e artista.
In: Panorama
do movimento simbolista brasileiro, v. 1. Org. Andrade Muricy. Brasília: INL/MEC, 1973.
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