segunda-feira, 9 de setembro de 2013

MÁRIO PEDERNEIRAS




MEU CIGARRO

 

Nesta árdua vida vã em que disperso
Energias de espírito bizarro,
Ideal e engenho,
Para o preparo estético do verso,
Afinal,
Eu sempre tenho
Um bom amigo incondicional:
- O meu cigarro –

Amizade de infância
Rara,
Calma e discreta,
Sem interesses, sem invejas e ânsia,
Que é daquele bom tempo estranho privilégio...
E se é verdade que eu nasci de tara
E rumo
De Poeta,
Não é menos verdade que eu já fumo
Desde os vadios tempos de colégio.

O meu Cigarro é boêmio,
Boêmio e fantasista.
É bem o irmão preciso e gêmeo
Desta minh’Alma vagabunda e artista.

Para que guarde inteiro
O gosto e o apuro
Em que a emoção, por índole, bifurco,
No seu preparo tóxico misturo
A volúpia aromal do fumo turco
E a quente excitação do fumo brasileiro.

Da honesta quietação deste meu quarto,
Em que me prendo e voluntário fico,
Horas inteiras, enfarado e farto
Do vulgar, do comum, da gente oca,
Como eu me sinto independente e rico
De Cigarro à boca...
 
Se me corre enfadonho
O pesado labor de todo o dia
E procuro esquecer o mal que me entedia,
Fumo um Cigarro e... sonho.

E a Vida que passa,
Como o Cigarro simboliza e alenta!
Se uma ambição de glórias me apoquenta,
Se a fortuna me enleva ou me cativa,
De tudo eu tenho a imagem viva
No azúleo esboço tênue da fumaça.

E se, irritado, muitas vezes, quero,
Num protesto sincero,
Rebater a maldade,
Que quer que sua voz domine e impere
E que a seu mando
Tudo arrasta e atrai;

Se uma atitude resistente assumo
Quando,
A lastimar o tempo assim perdido
Volto desiludido
À minha tímida simplicidade,
Eu pego no Cigarro e fumo...
Como ele me vinga e me distrai.

Quando, ingênua, minh’Alma,
Acompanha do fumo as estranhas volutas,
Esquece o real da vida e as venturas astutas
E sonha a vida calma,
Toda de paz e de afeições diletas,
 
Que o curso natural lhe embarace e lhe entrave,
Eu fico a contemplar, cheio de gozo intenso,
A fumaça que si, leve, azulada e suave,
E, quantas vezes, penso
Que para os bons e os Poetas,
Devia ser assim o caminho da vida.

O meu Cigarro, demais,
Quase sempre me dá impressões bem reais.
Do bizarro
Coleio em que a fumaça,
Em espirais, se agita,
Da graça
Da forma singular que toma,
Da excitação do próprio aroma,
Da maneira sutil por que me excita,
Quando o seu tóxico reclamo,
O meu Cigarro,
Tem qualquer cousa da mulher que eu amo.

Faz mal aos nervos o Cigarro, clamam
E o registram do vício nos acervos...
Eu que sou todo nervos e emoções,
Protesto contra os que assim o infamam
E esta mentira médica desminto,
Pois há ocasiões
Em que eu mesmo sinto
Que o meu Cigarro me faz bem aos nervos.

O meu Cigarro é boêmio,
Boêmio e fantasista...

É bem o irmão preciso e gêmeo
Desta minh’Alma vagabunda e artista.

In: Panorama do movimento simbolista brasileiro, v. 1. Org. Andrade Muricy.  Brasília: INL/MEC, 1973.


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