quarta-feira, 13 de agosto de 2014

WISŁWAWA SZYMBORSKA




RECITAL DA AUTORA

 

Musa, não ser um boxeador é literalmente não existir.
Nos recusaste a multidão ululante.
Uma dúzia de pessoas na sala,
já é hora de começar a fala.
Metade veio porque está chovendo,
o resto é parente.  Ó Musa.

As mulheres adorariam desmaiar nesta noite outonal,
e vão, mas só ao assistir uma luta colossal.
Só lá as cenas dantescas.
E o ascenso aos céus.  Ó Musa.

Não ser boxeador, ser poeta,
estar condenado a duras florbelas,
por falta de musculatura mostrar ao mundo
a futura leitura escolar – na melhor das hipóteses –
Ó Musa.  Ó Pégaso,
anjo eqüestre.

Na primeira fila um velhinho sonha docemente
que a finada esposa ressuscitou e
assa para ele um bolo com passas.
Com fogo, mas não alto, para o bolo não queimar,
começamos a leitura.  Ó Musa.
 

                                               Tradução de Regina Przybycien

 

Wislawa Szymborska.  Poemas.  SP: Companhia das Letras, 2011.

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