terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

TRÊS POEMAS DE NÁDIA BARBOSA


<1.  para Anna

Quando o sonho trouxer o arco-íris
quando cores e curvas,
quando a chuva do passado
mandar o arco-íris,
o tesouro, é certo, estará
                                   sob teus olhos
em que se escondem a água
                                   e a luz


<2.                          Imagem cabralina,
severina
a cidade, o Rio
Capibaribe é aqui.
O cão sardento late pro céu,
Pro azul cabralino
o céu
cães sem plumas sem aprumam
no ocre diagonal,
casebre de açafrão,
paisagem oswaldiana,
e cumprem sinas
severinas:
barro quente na barriga,
bem aqui,
aqui ao lado,
aqui em cima.
E cospe orelha
E come fígado
E dá no pé
Sertão, Pavão, Formiga
adentro.

É Lei do homem
é fato.


<3.  A CARTA
para Sérgio Sant’Anna

Um dia li uma história de uma moça que escrevia uma carta para o amante.  Ao longo da história, pareceu-me que o amante era imaginação da moça, e ao final da história, tuido me levou a crer que a própria moça era também imaginação.  Acontece que havia um desejo tal, na história narrada, na carta da moça, que me impressionou.  A moça se excitava com a escritura que se fazia. Falava em aranhas e em cobras.  Lembrava do único encontro que teve com o amante, uma trepada dentro de um carro, nomeio de um matagal.  Falava em solidão.  Em companhia de um gato, nunca excessiva.  Falava de medo.  Em transgressão, a carta não podia ser endereçada ao domicílio do amante.  Uma história de amor.  falava-se em espanto, em romper toda a capa de resistência, de civilização, para obrigar o amante a pronunciar palavras gritantes que até os mais obscenos hesitam em dizer  ou escrever.  Palavras que se agarravam àquela carta, a querer reter,na memória, o encontro.  Único, que só poderia se dar com alguém que estaria partindo.  A carta falava em cansaço, do esforço em não deixar escapar o mínimo que fosse.  A carta que, enquanto era escrita, sua escrivã se acariciava, ou melhor, enquanto sua escrivã se acariciava a escrevia.  “A carta, esse gênero anacrônico que , para se completar, exige um tempo, um espaço, uma expectativa e que torna as distâncias reais.”  Essa carta que circula no deserto das pessoas, eu escrevi.


Nádia Barbosa. Meio-dia: poemas.  Rio de Janeiro, 2009.

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