domingo, 12 de janeiro de 2014

DOIS POEMAS DE RAUL BOPP




DIAMBA

 

Negro velho fuma diamba
para amassar a memória

O que é bom fica lá longe...

Os olhos vão-se embora pra longe
O ouvido de repente parou
 
Com mais uma pitada
o chão perdeu o fundo
Negro escorregou
Caiu no meio da  África

Então apareceu do fundo da floresta
uma tropa de elefantes enormes
trotando
Cinqüenta elefantes
puxando uma lagoa

– Para onde vão levar esta lagoa?
Está derramando água no caminho

A água no caminho juntou
correu correu
fez o rio Congo
 
Águas tristes gemeram
e as estrelas choraram

– Aquele navio veio buscar o rio Congo!
Então as florestas se reuniram
e emprestaram um pouco de sombras pro rio Congo dormir

Os coqueiros debruçaram-se na praia
para dizer adeus




DONA CHICA

 

A negra serviu o café

– A sua escrava tem uns dentes bonitos dona Chica
– Ah o senhor acha?

Ao sair
a negra demorou-se com um sorriso na porta da varanda

Foi entoando uma cantiga casa-a-dentro:

            Ai do céu caiu um galho
            Bateu no chão Desfolhou

Dona Chica não disse nada
Acendeu ódios no olhar

Foi lá dentro Pegou a negra
Mandou metê-la no tronco
– Iaiá Chica não me mate!
– Ah! Desta vez tu me pagas

Meteu um trapo na boca
Depois
quebrou os dentes dela com um martelo

– Agora
junte esses cacos numa salva de prata
e leve assim mesmo
babando sangue

pr’aquele moço que está na sala, peste!

 

 

Raul Bopp.  Cobra Norato e outros poemas.  10ª. ed. Civilização Brasileira/MEC, 1975.

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