domingo, 5 de janeiro de 2014

HEINE DUAS VEZES


Os grandes deuses ora dormem,
Envoltos numa nuvem cinza;
Escuto como roncam forte,
A tempestade se aproxima.

Que tempo atroz! A tempestade
Quer destroçar a embarcação –
No vento e no escarcéu quem há de
Pôr sela, arreios e bridão?

Não tenho culpa se a procela
Empurra os barcos para o fundo,
Então me enrosco nas cobertas
E, como um deus, enfim eu durmo.

           

Eingehüllt in graue Wolken,
Schlafen jetzt die großen Götter,
Und ich höre, wie sie schnarchen,
Und wir haben wildes Wetter.
 
Wildes Wetter! Sturmeswüten
Will das arme Schiff zerschellen -
Ach, wer zügelt diese Winde
Und die herrenlosen Wellen!
 
Kanns nicht hindern, daß es stürmet,
Daß da dröhnen Mast und Bretter,
Und ich hüll mich in den Mantel,
Um zu schlafen wie die Götter.

                     [1824-26]



H. Heine por Gottlieb Gassen





O conteúdo que um poema encarna
Jamais surgiu num estalar de dedos;
Se demiurgos não criam do nada,
Ah, muito menos os mortais aedos.

 
Do preexistente lixo primordial
Foi que eu formei o corpo masculino;
Dele eu tirei o osso com o qual
Moldei o da mulher ainda mais lindo.
 
O céu saiu do entulho aqui da Terra,
Os anjos desdobrei da mulherada;
Somente pelo esforço do “poeta” –
É que a matéria é valorizada.

 
                       
Der Stoff, das Material des Gedichts,
Das saugt sich nicht aus dem Finger;
Kein Gott erschafft die Welt aus nichts,
Sowenig wie irdische Singer.
 
Aus vorgefundenem Urweltsdreck
Erschuf ich die Männerleiber,
Und aus dem Männerrippenspeck
Erschuf ich die schönen Weiber.

 
Den Himmel erschuf ich aus der Erd'
Und Engel aus Weiberentfaltung;
Der Stoff gewinnt erst seinen Wert
Durch künstlerische Gestaltung.

                              [1844]



                                         Traduções de André Vallias
 


Heinrich Heine.  Heine hein? Poeta dos contrários. Introdução e traduções de André Vallias. Perspectiva, 2011.


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