quarta-feira, 7 de maio de 2014

FUTURO DO PRESENTE - panfleto

     
Zdzislaw Beksinski
                            


   a Adriane Lima


... e se procurarmos acharemos alguma culpa.
alívio brutal que nos exige a condenação
mas (se ato alheio)  pode ser só pro-forma.

a forma do que é monstruoso é nítida, mas
disfarçaremos e diremos: é nada, é (quando muito)
nódoa. como nos condenarmos?
 
e assim seguiremos o cortejo
feliz dos linchamentos e os teremos
registrados em nossas bugigangas eletrônicas
e compartilharemos felizes com a família
com os vizinhos com os netinhos
que nos acharão tão ingênuos e dirão
de nós “como eram doces e idílicos!”
e saberão que assim como eles,
assim como todos também carregamos a nossa culpa
se bem procurada.
 
por isso todo tijolo atirado sobre um crânio inerte
é pouco
as pernas abertas e os braços a ponto de se rasgarem as entranhas
é pouco
as esfoladuras e contusões e perfurações
é pouco
o pútrido valão onde ratos agressivos rejeitam o luxo de porcos
é pouco
toda a urina e todas as fezes vertidas sobre um deus pretenso vivo
é pouco
é pouco é pouco é pouco para o pecado
que (nos) acharemos – não tem jeito, acharemos

 
de novo perdemos a chance de entender
o que dizia Baudelaire sobre a verdadeira civilização:
ela não está no ipad no ipod no caixa eletrônico
no wifi no wireless no instagram no android -
está no apagamento das marcas
do pecado original. 

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