segunda-feira, 15 de setembro de 2014

ÁLVARES DE AZEVEDO DUAS VEZES


Poema VI de Spleen e charutos

 

O POETA MORIBUNDO

 
Poetas! Amanhã ao meu cadáver
Minha tripa cortai mais sonorosa!...
Façam dela uma corda e cantem nela
Os amores da vida esperançosa!

Cantem esse verão que me alentava...
O aroma dos currais, o bezerrinho,
As aves que na sombra suspiravam
E os sapos que cantavam no caminho!

Coração, por que tremes?  Se esta lira
Nas minhas mãos sem força desafina,
Enquanto ao cemitério não te levam,
Casa no marimbau a alma divina!

Eu morro qual nas mãos da cozinheira
O marreco piando na agonia...
Como o cisne de outrora... que gemendo
Entre hinos de amor se enternecia.

Coração, por que tremes? Vejo a morte,
Ali vem lazarenta e desdentada...
Que noiva!... E devo então dormir com ela?...
Se ela ao menos dormisse mascarada!

Que ruínas!  Que amor petrificado!
Tão antediluviano e gigantesco!
Ora, façam idéia que ternuras
Terá essa lagarta posta ao fresco!

Antes mil vezes que dormir com ela,
Que dessa fúria o gozo, amor eterno...
Se ali não há também amor de velha,
Dêem-me as caldeiras do terceiro inferno!

No inferno estão suavíssimas belezas,
Cleópatras, Helenas, Eleonoras;
Lá se namora em boa companhia,
Não pode haver inferno com Senhoras!

Se é verdade que os homens gozadores,
Amigos de no vinho ter consolos,
Foram com Satanás fazer colônia,
Antes lá que no Céu sofrer os tolos!

Ora!  E forcem um’alma qual a minha,
Que no altar sacrifica ao Deus-Preguiça,
A cantar ladainha eternamente
E por mil anos ajudar a missa!

 

TERZA RIMA

 
É belo dentre a cinza ver ardendo
Nas mãos do fumador um bom cigarro,
Sentir o fumo em névoas rescendendo,

Do cachimbo alemão no louro barro
Ver a chama vermelha estremecendo
E até... perdoem-me... respirar-lhe o sarro!

Porém o que há mais doce nesta vida,
O que das mágoas desvanece o luto
E dá som a uma alma empobrecida,
Palavra d’honra, és tu, ó meu charuto!

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