domingo, 21 de setembro de 2014

MARCELO REIS DE MELLO DUAS VEZES


BREVE DISCURSO EM DEFESA DA INDECÊNCIA

 
nem no monástico silêncio dos cegos, nem no escuro
sonoro dos surdos
há mundos tão mudos
ou palavras tão plenas
                 de nada
e vazias
      de sentido
como na língua lânguida & engalanada
                          desses eruditozinhos
de beira de estrada
                 [com sua voz sisuda
e semi-tonada
pros nossos ouvidos-palatos
                    de alfa anal fabetos
ex-
pulsos
como flátulos
do paraíso
poético

apenas porque o nosso corpo é mais proteico
                                       do que o nosso espírito
 
            ou seria porque o nosso falo famélico
fecunda mais fêmeas que a sua filistéica fala?

declaram que não sabemos
sânscrito nem lingala,
nem grego antigo nem alemão, vociferam
                           que a métrica
é mais importante que
o nosso tesão e

o dark, dark, dark. they all go into the dark.
até a joana dark
até o clark kent
até descartes
até a pop art é mais cult, oh my heart!
 
mas
um prepúcio vale mais que um precipício
um boquete vale mais do que um bouquet
mais valem duas vulvas voando que um verso na mão
uma suruba vale mais que mil palavras
e um poema, no mais das vezes
não vale nada

pois, senhores, o que gritamos é a vida
e não a regra
            ; nem a que se escreve
nem a que se caga.
                    - as palavras, senhores
são águias rapinas
          não trinos da moda;
                                  e as rimas,
               [mesmo as pobres, oh camões!
                           são ricas
quando cantadas com a ponta
                 da pica,
                na cadência bonita da
foda.

 

In: Esculpir a luz. RJ: Cozinha Experimental, 2010.




DEUS EX MACHINA

Boquinhas fechadas. Pálidas.
Dentro, a escavação. Os escombros.
Porque a boca é o sótão do corpo.
E o que uma boca tem de mítico
tem de ridículo. Não cabe nenhuma boca
dentro de uma manga. Não há caroços
brancos nos dentes. Os dentes são
estalagmites e estalactites. A boca
é sempre cavernosa. Os dentes são morcegos.
A boca é notívaga. A boca parece um rato
com asas. Numa boca cabe
uma porção de terra.
O caixão é pequeno, é um caixão
de anões. Há muitas
bocas numa morte pequena.
Uma boca é uma grande cova
sem mistério. É onde se enterra
o silêncio. É onde se pesca o silêncio.
É onde o mau hálito, é onde
as obturações, é onde os vermes.
Dentro, a escavação. Há muita coisa
lá dentro, mas nenhuma imagem.
As boquinhas fechadas dormem
sem sonhar. Bocejos
são seres fantásticos e contagiosos,
mas o bruxismo gasta os caninos
de madrugada e os cisos doem
quando inflamam.
A boca é uma máquina ruim.
 
Poema inédito de Elefantes dentro de um sussurro (no prelo)

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