sábado, 23 de maio de 2015

ADAUTO DE SOUZA SANTOS (RAS ADAUTO)


 
 

 

telefonei assim que soube que ele havia sido solto.  romilda sua mulher pediu-me que fosse até lá conversar com ele porque estava muito deprimido e nervoso e eu como seu velho amigo talvez pudesse distraí-lo um pouco.
encontrei-o estirado no sofá, o rosto magro, os olhos fundos cadavéricos.  Abraçou-me beijou-me desesperadamente como se eu fosse sua única saída mostrou as marcas de porrada que levou no dops no corpo todo, falei q ele precisava descansar um pouco fazer uma viagem com a mulher transar pessoas. mas ele me disse q não. q voltaria a ativa e q mataria todos os “filhos da puta do poder”.  então tentei convence-lo  de q o desespero é uma forma de suicídio  e q a melhor arma neste momento é sentar & esperar.  disse-lhe também q estávamos em vantagem porq não acreditávamos em eternidade e q qualquer governo totalitário mais dia menos dia se não fosse destruído pelas forças da história se destruiria a si mesmo.
então li meus poemas para ele. contei das novas. falei dos amigos. dos meus planos. da minha mulher e da minha filha. contei também das minhas angústias. Abrimos uma garrafa de conhaque e quando menos esperávamos estávamos completamente bêbados. ele caiu no sofá como uma criança desamparada. levantei-me. Despedi-me de romilda e saí prometendo voltar no dia seguinte.
na rua fui tentando me convencer de tudo o q havia dito ao meu amigo.  tentando acreditar q era aquilo mesmo q eu acreditava.
tive de repente uma imensa pena de mim...
 
in: Folha de rosto (vários).  Rio, 1976.
 

 

 

 

 

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