quarta-feira, 20 de maio de 2015

ARMANDO FREITAS FILHO


Dois poemas de Longa vida (1982)

 

 

No pau-de-arara
                   é proibido gozar
mesmo quando enrabado

 por muitos
                   e o espasmo
sacuda o curto-circuito
do corpo
fudido em verde-amarelo
                   sob o som
das botas, das patas
dos saltos altos
da Pátria em marcha
das famílias caindo de quatro
                   ao som
de Dom e Ravel
de Deus
                   salve a América!
Eu te amo meu Brasil
eu
                   só ouço o vômito
e as aves
que aqui gorjeiam
                            etc.

 

 
 
 
 

Amor com amor se paga
nas ruas, no Rio
de noite
                   e se encosta
nos muros, por debaixo
das marquises
                   das árvores
dos postes do Aterro
com seu luar pontual
em suspenso
                   como uma nave de jardim
e o asfalto
pousando à beira-mar.

Amor com amor se pega
se enrosca
                   e cresce:
filodendros, trepadeiras
jibóias, abraços vegetais
e beijos
                   pelos bancos da paisagem
dos carros
na véspera do verão
o amor desata os cabelos
levanta as saias e dança
de patins e passa de bicicleta
sobre os bueiros da Força e Luz.

 
Amor com amor se pica
foge de casa
morre entre os morros e o mar
se mata
nas primeiras páginas
faz manchetes
− balas, sangue, punhalada
estricnina − e se incendeia
em camas transitórias
ateia o fogo da paixão às vestes
para melhor despir os nus
de todos nós.
 

(Armando Freitas Filho. Máquina de escrever: poesia reunida e revista. RJ: Nova Fronteira, 2003.)

                  

 

 

 

 


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