Corações veteranos é, que eu saiba, o único livro de poesia de Roberto Schwarz. Editado pela coleção Frenesi, em 1974. O que me leva de imediato a pensar que antes de conhecer o Schwarz ensaísta na graduação e (mais) no mestrado, eu travei contato com a poesia bissexta de Schwarz, naqueles anos ainda de secundarista interessado em poesia, descobrindo, no contexto complicado da ditadura militar, a poesia como a possibilidade de uma perene chave para habitar o mundo.
Eis que dando uma arrumada aqui nas minhas estantes, me deparo com o livrinho, produção praticamente artesanal. Há muito não o folheava, não saberia precisar quanto tempo. Aliás, a Frenesi foi também a coleção que me apresentou à poesia de Cacaso e de Francisco Alvim. Nunca ouvi maiores menções à poesia de Schwartz, a não ser as depreciativas de Augusto de Campos – que também, claro, não tem em boa conta o Schwarz ensaísta. Ao fazer isso, Augusto está apenas sendo coerente com Augusto. Não precisa ninguém acompanhar. De minha parte, tendo enorme admiração por Augusto de Campos, nunca achei que devia. Aí vão alguns poemas de Schwarz.
JURA
Vou me apegar muito a você
vou ser infeliz
vou lhe chatear
PASSEATA
PAU NO IMPERIALISMO
ABAIXO O CU DO PAPA
PASSEIO
Os automóveis da burguesia cortam as ruas da cidade asfaltada em seu benefício. A impaciência do motorista é um gesto de classe, a cara esportiva e a cara composta da motorista são gestos de classe. Já a fúria do motorista de praça é fratricida. Perto de 40.000 automóveis engolem as avenidas, levam para o centro a burguesia, de 80 a 100.000 imbecis passando na frente e sendo passados. Com 800 ônibus iam todos para o fogo. FILHO DA PUTA de quem buzinou. Ele e os outros.
PRIMAVERA
Lá fora a boquirrota, a fraudulenta e festiva
Paris troca de pele pela enésima vez
e mostra à freguesia atônita os seus
múltiplos charmes catalogados.
Pela janela aberta entra o amor e se mistura
na luz do sol espalhada pelo quarto.
Alegre música muda.
O poeta ri porque está de pau duro.
INFORME
O ridículo casou-se ao sinistro
seu filho é macabro e ministro.
O bobo e o lucro deitaram juntos
nasceram cretinos com dentes de lobo.
Uma piranha ostracisada olhou
bem e deixou-se ficar solteira.
Os melhorzinhos ficaram loucos
mas antes sovaram-se bastante.
Roberto Schwarz. Corações veteranos, 1974.
Há um livro de poesia anterior a este, Pássaro na Gaveta, publicado em 1959, segundo a Wikipédia.
ResponderExcluirSeria interessante o Roberto publicar estes dois livros em um capítulo de um livro vindouro, de preferência com uma ‘bela’ introdução. Aquele tom evocativo tão tocante no texto sobre o Anatol Rosenfeld, em que o Roberto muito jovem e o pai iam visitar o crítico. Lembro o texto sobre o Cacaso, que criou duas letras belíssimas, Face a Face (por que não toca mais?) e Lero Lero, com aquele piano maravilhoso do Edu Lobo.
E há esta questão de dar atenção a tentativas que não deram certo. É mais difícil do que comentar o que deu certo..., tirando casos como o Celan ou o Mallarmé...
Se é pedir demais ao Roberto que faça todo este trabalho, então fica o pedido de que publique, e a gente, que gosta dele, vai tentando.
Obrigado pelo comentário, Tan.
ExcluirDe fato, você me lembrou desse Pássaro na Gaveta, do qual já vi menção, mas não lembro onde, nem de tê-lo visto alguma vez.
Concordo com tuas observações e faço também os mesmos votos.
Um abraço