O BANQUETE
Em meu quarto, o silêncio
e a lâmpada que me divide em dois.
O meu quarto é mais pobre que o de Jó;
duas vezes eu e uma lâmpada só.
No salão do vizinho,
que não me convidou, a mesa alva;
e os convivas bebendo um vinho triste.
Será sangue de Orfeu? Lacrima-cristi?
Porém, se o vinho é triste,
há estrelas líquidas em copos altos
que cintilam, qual geométricos lírios,
erguidos no ar à hora dos delírios.
Sinto-me bem, assim,
não convidado, pois não bebo estrela
nem sangue; sou enteado da alegria.
A tristeza é o meu pão de cada dia.
Seria eu, na festa,
um insulto aos demais, algo de cômico.
Uma pedra aos que têm, no ombro, uma asa.
Um carvão quando tudo, ali, é brasa.
Sinto-me bem, porque
sou um cacto com folhas de silêncio.
Não troco por nenhum gole de vinho
este meu ser noturno e submarinho.
Que só me cheguem, pois,
o terrincar das taças, o confuso
gorjeio das bacantes. Só me agrada
beber – rosa num copo – a madrugada.
Ah, se soubessem, todos,
o bem que me fizeram, excluindo-me
do banquete – o mais lógico dos olvidos –
ergueriam um brinde aos excluídos.
In: Cassiano Ricardo. Antologia poética, 1964.
Tem este, do "Martim Cererê", que acho tão tão bonito:
ResponderExcluirPECADO ORIGINAL
O dia nos espia... novamente.
Mas, ó incrível morena de olhar verde,
fecha os teus olhos pra fingir que é noite.
E teremos a noite, duas, três vezes,
quantas vezes fecharmos os olhos
na quentura de um beijo. Porque a noite
é uma pequena invenção de nós dois...
Há um momento de treva em cada beijo
e uma risada matinal depois,
do dia, debruçado na janela,
que nos espia, e quer saber de tudo
o que se passa entre nós dois.
Fecha os olhos de novo, e eu te darei
a noite que ainda mora atrás do dia...
É lindo mesmo, Mariana. Tinha paswsado por ele batido, quando li o "Martim-Cererê".
ResponderExcluirEngraçado que não se presta muita atenção a Cassiano, talvez por conta do passado integralista dele na juventude, e outras circunstâncias. Eu mesmo nunca prestei muita atenção, mas venho procurando lê-lo mais detidamente. Esse poema que postei eu sempre adorei, assim como uns 6 ou 7, que acho de primeiríssima. Vai daí que optei por esse quando li os elogios que Mário Fuastino fez ao poema - fiquei feliz pela coincidência, embora deteste certas coisas que ele (Mário) diz a respeito de poesia.
Valeu, beijos
do Bozzetti