quinta-feira, 3 de maio de 2012

LUÍS ARANHA

Avenida São João, centro de São Paulo, nos anos 20







COCKTAIL

HOTEL                    RESTAURANT                   BAR
A cadeira guincha
Garçon
No espelho “Experimente nosso COCKTAIL”
Champagne cocktail
Gin cocktail
Whisky cocktail
Álcool
Absinto
Açúcar
Aromáticos
Sacode num tubo de metal
É frio estimulante e forte
Cocktail
Cocteau
Cendrars
Rimbaud cabaretier
Espontaneidade
Simultaneísmo
O só plano intelectual traz confusão
Associação
Rapidez
Alegria
Poema
Arte moderna
COCKTAIL PARA UM!
Não; para todos
Vinde encher o copo do coração com o meu cocktail sentimental
Sentimental?!

In: Luís Aranha.  Cocktails.  Brasiliense, 1984.

            Devemos sobretudo ao poeta Nelson Ascher o fato de a obra poética  de Luís Aranha (1901-1987) não ter caído em total esquecimento.  O poeta ainda era vivo quando Ascher tomou a si a iniciativa de editar, pela Brasiliense, em 1984, Cocktails, coletânea de poemas escritos nos anos 20, que haviam sido entregues por Aranha a Mário de Andrade nos anos 20,  e que desde então, à exceção de quatro poemas publicados na revista modernista Klaxon, permaneciam inéditos.
            Aranha, muito jovem,  era um poeta inquieto, ativo participante das discussões e iniciativas modernistas em torno da Semana de 22.  Depois foi se afastando da atividade literária, mas deixou em Cocktails, no meu entendimento, o melhor da apreensão por parte dos nossos modernistas de primeira hora da poética futurista-cubista (Marinetti, Appolinire, Cendrars) que agitava a Europa desde os anos de 1910.
            Embora os três longos poemas de Cocktails , “Drogaria de éter e de sombra”, “Poema Pitágoras” e “Poema giratório”, sejam de fato, Ascher o diz com acerto, o melhor de Luís Aranha, pela proximidade com o espírito estrepitosamente urbano dos longos poemas futuristas de, por exemplo,  Appolinaire, Álvaro de Campos  e Cendrars, nos quais avultam as questões da velocidade e do simultaneísmo mais do que apenas como temas mas com o valor de princípio estrutural, como diz Marjorie Perloff (em O momento futurista, editado entre nós pela EdUsp em 1993), espraiados por textos de larga extensão nos quais a “imaginação sem fios” solta-se,  como então preconizavam os postulados vanguardistas,   num poema como “Cocktail” tais questões também comparecem – mesmo numa clave metalingüística, ainda que ingênua e sem que venha a estender-se por muitos versos.  Observe o leitor que a presentificação dos elementos da vida cotidiana,  da vida externa à arte,  se faz no poema à semelhança de um  procedimento de colagem de materiais que, na pintura cubista, eram literalmente colados à tela:  assim como um guardanapo era colado numa tela de Braque ou do Picasso cubista, no poema temos o letreiro de entrada “HOTEL RESTAURANT BAR”  indicados como portada para o “ambiente” em que se desenvolve o misto de auto-reflexão paródica e etílica do poeta – antecipando, se é lícito dizer, aquele cognac que comoverá o Drummond no “Poema de sete faces” alguns anos depois. Exemplo melhor ainda seria a tabuleta de drogaria que abre o “Drogaria de éter e de sombra”, mas o poema, por sua extensão, é impraticável de ser aqui postado.
            Espero que o leitor  que porventura ainda não tenha conhecimento da pequena mas significativa obra poética de Luís Aranha procure ler este poeta, sua obra atua como um poderoso reforço à compreensão do primeiro Modernismo entre nós e de seus laços com a poética vanguardista de então.

Os modernistas da fase heróica: sentado, na poltrona ao centro, Luís Aranha, logo atrás de Oswald (no chão)



 

Nenhum comentário:

Postar um comentário