sexta-feira, 8 de junho de 2012

JAIR FERREIRA DOS SANTOS


                      O TURBANTE  
            (Um objeto cripto-Kitsch, como Édipo)

Magna e morna minha mãe
sai dos mistérios do banho.
Outra, não minha, regressa
mescla de iara e cigana.

No rosto traz rosa e pinho
no rebanho dos cabelos.
A pele não pulsa, prisma
no livre e lívido joelho.

A tarde aninha-se nela
vaga e verde na íris.
Da pelve nascem anéis
clãs de cellos clandestinos.

Em seu quebranto lacrados
meus olhos não são meu olhar
de salteador de toalhas
e cúmplice de peignoir.

Entre figos, seixos, pólen
e dois galos celebrando
ela se senta enredada
em recitais de turbante.

Jalouisie toca no rádio.
Sobre a cabeça ela lança
retiária de sua áurea
em rito a rede que dança

até que seus dedos tramem
com laços de secreta teia
três elipses de serpente
na sua fronte de ovelha.

E rubra ela para.  Rente
à bissetriz do seu peito
move-se um lobo jovem
que não avança, enleia-se.

Leis no meu corpo volteiam.
Um beijo em mim se alastra
enquanto vigio cativo
da sua nuca encarnada.

Mas a sombra dos emissários
com faca, acha e esgares
se ergue, quando um já me fere
e outro me faz: vai trai.

Quem? Eu, só pagem apenas
ao Rei?  Tais todos estetas,
corsário, no olhar condeno-me
a imolar os dons da pele.

Sim, I am not prince Hamlet.
Sou sua lança impassível
indo a futuros turbantes
tomar tributos antigos.

Que este turbante em duas pontas
no pomo dos ombros se abre
em cem moedas ardentes
no branco sol da sua carne. 

                        In: A faca serena, 1983.


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