sábado, 12 de outubro de 2013

CZESLAW MILOSZ





NÃO MAIS


 
Preciso contar um dia como mudei
Minha opinião sobre a poesia e por que
Me considero hoje um dos muitos
Mercadores e artesãos do Império do Japão
Compondo versos sobre a floração da cerejeira,
Sobre crisântemos e a lua cheia.

Se eu pudesse descrever as cortesãs
De Veneza, como incitam com uma vareta o pavão no pátio
E desfolhar do tecido sedoso, da cinta nacarina
Os seios pesados, a marca
Avermelhada no ventre onde o vestido se abotoa,
Ao menos assim como as viu o dono das galeotas
Arribadas aquela manhã carregando ouro;
E se ao mesmo tempo pudesse encerrar seus pobres ossos
No cemitério, onde o mar oleoso lambe o portão,
Em palavras mais duráveis que o derradeiro pente
Que entre carcomas sob a lápide, só, espera pela luz
Não duvidaria.  Da resistência da matéria
O que se retém?  Nada, quando muito o belo.
Então devem nos bastar as flores de cerejeira
E os crisântemos e a lua cheia.
 
       Montgeron, 1957


                    Tradução de Henryk Siewirski e Marcelo Paiva de Souza

 

 

Czeslaw Milosz. Não mais. Sel. trad. e introd.  de Henryk Siewirski e Marcelo Paiva de Souza. Coleção Poetas do Mundo. UnB. 2003. 

 

 

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