Darcy e Brizola |
Algumas quebras de protocolo eu vi e vivi:
- o
lado risível da coisa: quando o
general figueiredo, o último dos gorilas no poder, dava declarações do
tipo “prefiro cheiro de cavalo a cheiro de povo” e “se eu ganhasse salário
mínimo dava um tiro no coco”, alguém chamou a atenção (não sei por que eu
cismo que foi o Carpeaux, mas devo estar delirando) para o fato de que as regras de decoro
do discurso oficial dos governos militares tinham sido quebradas
internamente, isto é, começou em boa hora, e pelos próprios
generais-presidentes, a
dessacralização do que não tinha nada de sacro - fosse a grandiloquência
ufanista herdada de Médici ou a “austeridade luterana” de Geisel.
- o
lado quente: ao assumir o governo do Rio, tendo vencido as primeiras
eleições diretas pós-ditadura, em 1982, Leonel Brizola proibiu a polícia
(militar e civil) não apenas de dar blitzes indiscriminadas em comunidades
pobres – nada de entrar em casa dos outros sem mandado judicial, por
exemplo – como proibiu que seus
agentes se referissem aos suspeitos, aos presos e assassinados de sempre
como “elementos”. Regulamentou a obrigatoriedade de a
polícia referir-se a todos como cidadãos. O jargão da mídia, ainda que
irônico e meio constrangido a princípio (e por princípio), acabou
acatando.
O primeiro governo
Brizola foi sobretudo estimulante, o que não quer dizer que não tenha sido
permeado de equívocos: mas estimulou a discussão política como a minha geração
não havia conhecido até então, a começar pelas discussões sempre na arena das
alternativas de educação e cultura, além da mais do que candente e desde sempre
urgente questão dos direitos humanos.
Fui seu eleitor, embora, para variar, sofrendo críticas e ironias
diversas de muitos amigos mais chegados e muito queridos, os quais empolgados
com a novidade que o PT representava naquele momento batiam na tecla: eu estaria
em compasso passadista, preso às velhas lideranças populistas etc. Provável que esses amigos estivessem certos
em boa medida quanto ao cerne dos meus equívocos, mas não estou ainda – nunca
estive – certo de que me equivocasse quanto ao cerne de suas convicções. Enfim... a tirada brizolista de que o PT era
“a UDN de tamancos” soava e ressoa. E eu adorava, além de levar muito a sério –
mais do que deveria, vejo claro hoje – a idéia de que desde 64 o Brasil e em
especial o Rio tinha uma dívida histórica com o engenheiro Leonel de Moura
Brizola. E para mim a dívida maior era,
sempre fora, com Darcy Ribeiro – seu
vice e o homem forte da educação em seu governo.
Não pretendo idealizar
o passado – e esta denegação certamente encaminhará que o farei, embora não seja
muito certo que, como me acusou querida amiga dia desses, eu tenha virado
irremediavelmente saudosista. Não idealizo o passado: o engenheiro, quer pelos erros que tenha cometido, quer por erros que o constituíam como entidade
política ou como se queira chamar – acabou por não fazer seu sucessor: a eleição seguinte foi vencida
pelo nefasto Moreira Franco, que prometia para a classe média, sempre no seu papel de acuada e alimentando o
sonho das remoções e extermínios, “acabar com a violência em seis meses”. Com a entrada em cena do cara (aliás,
ministro hoje no governo do PT) todas as
práticas policiais que Brizola havia abolido recrudesceram. Quando voltou a ser governador, na eleição
seguinte, Brizola acabou fazendo um
governo pífio: em parte porque teve que fazer alianças com o que havia de pior
na política do estado – e o que há de ruim na política fluminense é um himalaia
– outro tanto porque provavelmente já havia perdido a passada do compasso dos
tempos. Mas não vou fazer análise
política aqui, que sequer tenho a menor competência para isso.
Toquei no nome de
Darcy Ribeiro, e a vontade é parar por aqui.
Mas avanço, até porque o sentido último deste texto é falar dele. Ainda que apenas num flash final. Quero lembrar que numa paralisação dos
professores no primeiro mandato de Brizola, a situação ficou tensa, desenhou-se
um impasse sério. Lembro de uma frase de
meu pai – que foi professor até a compulsória: “Pelo menos a gente sabe que o
Brizola não vai mandar a polícia bater em professor.” Houve inúmeros embates
entre o governo brizolista e os setores da educação, e nem poderia ser diferente: basta lembrar do
quanto de novidade ousada havia no projeto dos CIEPs, ainda que possamos aqui e
ali apontar ou falar das contradições que surgiram no processo de sua – nunca
efetivada pelo sucessor – implantação.
E o triste é constatar que um dos legados brizolistas – a radical mudança
de protocolo na atuação policial – foi jogada no lixo (seu homem forte na PM, o
Coronel Nazareth Cerqueira foi assassinado em circunstâncias para lá de
suspeitas). Pelo contrário, chegamos a
um “democratização perversa”: a PM dá porrada indiscriminadamente. Chegou a vez da porrada finalmente institucionalizada
nos professores.
As redes sociais estão
cheias por estes dias de fotografias aviltantes, testemunhando o tratamento que
a “política de segurança” do estado do Rio (mas apenas?) dispensa aos profissionais
da educação, a quebra de todo protocolo do respeito devido ao professor pela cegueira boçal e estúpida em mais alto
grau, mancha de barbárie no coração do Brasil.
Contra isso, resolvo postar essa foto aí de cima: como não ter saudade,
melhor, por que disfarçar a saudade de um tempo em que o interlocutor para
assuntos de educação era o Professor Darcy Ribeiro?
Bozzetti, lindo texto. Infelizmente votei no Brizola apenas no segundo mandato, no primeiro apenas acompanhei as eleições (mas minha mãe era Brizolista doente), e como vc, não achei que nesse segundo momento ele tenha feito um bom governo. Mesmo que e apesar de, ele continuasse a propor um governo que respeitasse os moradores da periferia, seja lá o que isso possa signficar. Ele lançou Darcy Ribeiro para Governador e o Estado não o quis. Minha mãe dizia que Darcy fez o favor de se candidatar. Dizia tb que antes dele não houve nenhum projeto para educação no Rio e eu digo que depois dele tb não. Bom ler vc. abraços.
ResponderExcluirObrigado, querido Alexandre, pelas palavras carinhosas. Muito bom ser lido por você.
ResponderExcluirGrande abraço do
Roberto Bozzetti
Bacana.
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