Não tinha lido a coluna de Caetano
Veloso do domingo passado, o que fiz agora (pelo andar da carroça aqui no
brejo, domingo que vem eu devo ler a de hoje), mas tem ali duas passagens dignas
de nota, que comento e transcrevo:
- quanto
ao interesse que o assunto “biografias”
despertou, diz Caetano, “pelo visto nas folhas e nas redes, o
interesse é enorme, embora não pareça ser pelo que é discutível na
questão, e sim pela oportunidade de agredir quem ganhou prestígio no
Brasil, país que ainda precisamos tanto provar que não vale nada nem
poderá nunca valer nada”. Não
querendo endossar tudo, uma vez que sou mais acometido do que Caetano por
esse sentimento de que “nada dará certo no Brasil”, mas há aqui carradas de razão, sendo alguma
coisa que me chamou a atenção nos primeiros comentários dos poucos que fiz
no Facebook : impressionante a massa acrítica de ódio despejado sobre
essas figuras (em
especial Caetano e parece que sabemos tacitamente por
que), facilmente perceptível na
recusa em se discutir o que há de discutível em tudo aí (a começar pelo
posicionamento inicial deles, artistas, em linhas gerais bem capenga). Não é também o caso de se simplificar
tanto, mas eu sou do clã do Tom Jobim, que dizia com todas as letras
“brasileiro odeia o sucesso, por isso gosta do Garrincha e não gosta do
Pelé.”
- Caetano,
depois de ecoar Ana Maria Machado (que não li), escreve: “que não ajamos como se a democracia
tivesse que escolher entre a censura e a difamação. Será que o tom
histérico da imprensa e a psicopatia coletiva das redes são a palavra
final? Acho que Chico, Gil e eu não estarmos em posição confortável
reafirma nosso histórico, ao invés de desmenti-lo. Eu desconfiaria se os
três estivéssemos, ao mesmo tempo, tendo apoio unânime.”
Pois nessa última citação a
estocada certeira, que atinge professores de história e de literatura
preguiçosos (além de jornalistas, é claro) que ficam repetindo as baboseiras de
sempre a respeito de “protesto”, “resistência” e “heroísmo” dessa geração de artistas,
negligenciando os aspectos (alguns muito profundos) que sempre houve de
dissenso entre eles. Parece que o sonho desse
pessoal simplista é deixar a palavra
final ao simplista Belchior: “Nossos ídolos ainda são os mesmos etc e tal", a chorumela que todo mundo sabe...
A simplificação excessiva faz tanto a reflexão histórica quanto a reflexão
literária reféns do jornalismo diário
(que tem de lidar com a pressa mesmo e, por conseguinte, com a simplificação). Mas mesmo no jornalismo há aqueles que não se submetem a isso – e
alguns textos produzidos para a imprensa têm sido muito honestos na tentativa de se entender o imbróglio, sem
querer livrar a cara de nenhum “ídolo” –
e o imbróglio, de resto, vai muito além
de uma discussão circunscrita a eles. Mas, claro, não pode incluir a sério em
nenhuma instância o que diz um Bolsonaro a respeito.
Que a “turma da MPB” nunca tenha
sido um bloco unitário e coeso estudiosos sérios (de história, de música e de literatura) já o demonstraram. Que essa
ilusão tenha se perdido para sempre num certo réveillon em Copacabana e não se
tenha prestado a devida atenção a isso, bom... lamente-se. Não acho que se deva tratar a questão por um
lado simplificadoramente esteticista, longe disso, mas da forma como tenho visto
ser abordado tem alguma razão quem o fizer, ainda que apenas por tédio (eu
mesmo tenho me acusado disso): e assim é porque as obras deixadas por eles (tiro a média da
turma) e a importância que elas têm para a discussão cultural brasileira são superiores a suas circunstâncias
históricas, ainda mais se ficarmos chafurdando nessa coisa menor da fofoca. E afinal,
as circunstâncias históricas que alimentaram essas mesmas obras foram em geral
tratadas nelas com admirável competência, poder de provocação e profundidade. Além de terem estado longe de ser recebidas,
tais obras, – convém não esquecer que
são mais de 40 anos de estrada – com aplausos unânimes em nenhum momento.
Em resumo, ainda que apenas vadio e
em nível de mero pitaco (que, aliás, acabo de descobrir, não é uma palavra
dicionarizada): um esteticismo domingueiro – e no entanto produtivo, estou aqui
às voltas com um texto de mais fôlego – me obriga deixar claro que amo todos
que citei, mesmo implicitamente, acima: e reafirmar que amo muito Tom e
igualmente Pelé e Garrincha. Mas
Belchior, menos. E Paulinho da Viola, mais que todos.
P.S: Não, uma
foto incluindo Paulinho da Viola não pode ser tomada como equívoco ou
relaxamento de minha parte: ele não é o J. Pinto Fernandes da história.