terça-feira, 25 de julho de 2017

PENÉLOPE



Fiou para mim uma história longa
ao cabo da qual eu morria;
meus olhos postos no horizonte longe,
fui o nauta português
fui o viking
ou apenas mais um contrabandista de bacalhau
enquanto  sustentava meu povo
a arenque e carne
de rena
que mais fui eu,
fui o  lendário urdidor de estratagemas
e o que me restaria
se não morrer antes de chegar,
mas não morri e agora
ouço que ela me conta
o que fantasiou
torcendo pela minha ausência
que se perpetuasse
e ela vivesse a justa glória
da fiel expectante
por mim, o aventureiro
que apenas desfilei por todos os quadrantes
minha abulia
a mesma de que já sofria
quando de seu lado

parti. 




sexta-feira, 7 de julho de 2017

UM PANFLETO: A JORNALISTA LEITÃO ENTREVISTA O BANQUEIRO-MÓR



JORNALISTA E BANQUEIRO

a jornalista renomada 
porque domesticada
entre
vista
o banqueirão especializado
no que os banqueiros  sempre se especializaram
ele sorri beneplácito
ela finge inquiri-lo
as perguntas e as respostas
sorriem tergiversativas
por cima da vida vegetativa
dos magotes de sobreviventes
ela se diz preocupada
com a paisagem social
mas elogia a sala elegante do Banco Central onde transcorre a conversa civilizada enquanto ele
faz cara de paisagem

na parede ao fundo as cores e linhas básicas de Volpi
e as crianças de Portinari
            - que morreu envenenado pelas tintas de seu ofício -
asseguram a dignidade possível
o sopro






domingo, 2 de julho de 2017

FÍMBRIA

Aquele homem delicado caminhou pela praia
e chegando à beira, onde a água faz a areia mudar de textura,
exibindo sua permeabilidade,
abaixou-se,  e olhando o mar
não quis mais.
Chama-se  fimbria a borda apática  que demora a desfazer-se
quando a água se arrepende
da célere marcha devastadora  que poderia perfeitamente empreender
na direção da orla urbanizada,
dos prédios amontoados escondendo os pobres
encarapitados no alto das pedras
antes que esgueirem entre as frinchas e se abriguem nos latões de lixo
e o mar não invade
o mar é aquele homem delicado que não quis mais e
a turba não completa o movimento de abandonar os latões
e tomar de assalto
(o sangue nos olhos as facas na fronte)
e sequer o mar arrebata o homem que desistiu
e quando é assim
então ninguém adentra a cidade dolente
decidido a  sofrer sua pena e sua luz
e estacam todos
o homem delicado e só
a turba despossuída e mais
o mar conformado à baixa-mar
e se chama fímbria e é aí que se encontram os delicados
 onde o velho Diabo fumando seu houka
na tela de última geração
smart e led
ri do quanto se perde a vida por falsa
delicadeza.



 
Foto de Carolina Bezerra

Lançado Despreparação para a morte

Lançado no dia 23 de junho, meu terceiro livro de poemas, Despreparação para a morte, pela Editora TextoTerritório.


Com a bela capa de Talarico – meu ilustrador habitual aqui no Firma – e texto de orelha de Adriano Nunes (cf. abaixo) , o livro pode ser adquirido através de contato com a própria editora no link  

ou acessando via Facebook em





A beleza irônica do despreparo – Por Adriano Nunes

O que se deve buscar, in totum, num livro de poemas, além de poemas, claro? A beleza poderia ser uma das infindas respostas. Após a leitura atenta do livro Despreparação para a morte, de Roberto Bozzetti, deparei-me com um dilema intrigante: até que ponto é possível atingir, através de signos e significados, imagens e sentidos, formas e espaços, uma beleza não convencional, despreparada ad hoc, não comedida e nem toujours prêt-à-porter, dotada de deboche, riso, trivialidade, ironia e astúcia e, ainda, amalgamá-la a artifícios e recursos clássicos? Como impregnar a beleza de inteligência, vivência, maturidade, sapiência, sem lhe dar ares e eras de arte pretensiosamente bem comportada, para satisfazer as exigências sub-reptícias do leitor? Nesse labirinto borgeano em que me desencontrei, preferi não ir atrás dos fios de Ariadne: dar-me inteiro e pleno a cada verso, a cada estrofe, a cada poema poderia (e pôde!) conduzir-me a um recanto onde, conforme Coleridge, eu estaria cercado pelas melhores palavras na melhor ordem, isto é, estaria tête-à-tête com a própria poesia, aquela que advém das Musas, para ser poesia e só. Uma poesia de morte e vida, de consciência, lucidez e de atrevimento. A morte que se cuide! Se é certo que o tema da morte percorre o livro, também é certo que a vida, com toda a sua energia pulsante, escancarada, alegre, dionisíaca, criativa, também transita, com maestria, pelos precisos versos engendrados pelo poeta carioca. Sem receios ou dúvidas, constato, criticamente, que o belo livro do amigo Roberto Bozzetti merece ser lido, relido e, máxime, aplaudido, por tratar-se de um dos mais belos e impactantes livros de poemas dos últimos anos.
                   (orelha de Despreparação para a morte)