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terça-feira, 5 de janeiro de 2016

AH, UM SONETO... DE PAUL VERLAINE


MEU SONHO FAMILIAR

 

Sonho às vezes o sonho estranho e persistente
De não sei que mulher que eu quero, e que me quer,
E que nunca é, de fato, uma única mulher
E nem outra, de fato, e me compreende e sente.

Compreende-me, e este meu coração transparente
Para ela, não é mais um problema qualquer,
Só para ela, e meu suor de angústia, se quiser,
Chorando, ela transforma em frescura envolvente.
 
Se é morena, ou se é loira, ou se é ruiva – eu ignoro.
Seu nome? É como o nome ideal, doce e sonoro,
Dos amados que a Vida exilou para além.

Seu olhar lembra o olhar de alguma estátua antiga,
E sua voz longínqua, e calma, e grave, tem
Certa inflexão de emudecida voz amiga.

 

                            Tradução de Guilherme de Almeida

 

 

MON RÊVE FAMILIER

 
Je fais souvent ce rêve étrange et pénétrant
D’une femme inconnue, et que j’aime, et qui m’aime
Et qui n’est, chaque fois, ni tout à fait la même
Ni tout à fait une autre, et m’aime et me comprend.

Car elle me comprend, et mon coeur, transparent
Pour elle seule, hélas! cesse d’être um problème
Pour elle seule, et lês moiteurs de mon front blame,
Elle seule les sait refraîchir, en pleurant.

Est-elle brune, blonde ou rousse? – Je l’ignore.
Son nom? Je me souviens qu’il est doux et sonore
Comme ceux des aimés que la Vie exila.

Son regard est pareil au regard des statues,
Et pour sa voix, lointaine, et calme, et grave, elle a
L’inflexion des vois chères qui sont tues.

 

 


Verlaine.  A voz dos botequins e outros poemas.  Tradução de Guilherme de Almeida. SP: Hedra, 2009.

terça-feira, 5 de maio de 2015

PAUL VERLAINE

Ilustração de Talarico


A VOZ DOS BOTEQUINS

 

A voz dos botequins, a lama das sarjetas,
Os plátanos largando no ar as folhas pretas,
O ônibus, furacão de ferragens e lodo,
Que entre as rodas se empina e desengonça todo,
Lentamente, o olhar verde e vermelho rodando,
Operários que vão para o grêmio fumando
Cachimbos sob o olhar de agentes da polícia,
Paredes e beirais transpirando imundícia,
A enxurrada entupindo o esgoto, o asfalto liso,
Eis meu caminho – mas no fim há um paraíso.

 

                                      Tradução de Guilherme de Almeida

 

LE BRUIT DES CABARETS, LA FANGE DES TROTTOIRS...
 

Le bruit des cabarets, la fange des trottoirs,
Les platanes déchus s'effeuillant dans l'air noir,
L'omnibus, ouragan de ferraille et de boues,
Qui grince, mal assis entre ses quatre roues,
Et roule ses yeux verts et rouges lentement,
Les ouvriers allant au club, tout en fumant
Leur brûle-gueule au nez des agents de police,
Toits qui dégouttent, murs suintants, pavé qui glisse,
Bitume défoncé, ruisseaux comblant l'égout,
Voilà ma route - avec le paradis au bout.

 

 

                            Verlaine.  A voz dos botequins e outros poemas. Tradução de Guilherme de Almeida. São Paulo : Hedra, 2009.



Verlaine