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quarta-feira, 28 de setembro de 2016

OSWALD DE ANDRADE (1890-1954)


Dois Poemas da Colonização
Escravo pendurado vivo -
Autoria desconhecida

"Castigos domésticos", Rugendas
 
 
medo da senhora



A escrava pegou a filhinha nascida
Nas costas
E se atirou no Paraíba
Para que a criança não fosse judiada


 


levante


Contam que houve uma porção de enforcados
E as caveiras espetadas nos postes
Da fazenda desabitada
Miavam de noite
No vento do mato


Oswald de Andrade. Poesias  reunidas. 4 ed.   Rio: Civilização Brasileira, 1974.
 
Violência - Foto de Luiz Morier, 1983
 

quarta-feira, 8 de abril de 2015

OSWALD DE ANDRADE





OCASO



No anfiteatro de montanhas
Os profetas do Aleijadinho
Monumentalizam a paisagem
As cúpulas brancas dos Passos
E os cocares revirados das palmeiras
São degraus da arte de meu país
Onde ninguém mais subiu

Bíblia de pedra sabão
Banhada no ouro das minas


         Oswald de Andrade. Poesias reunidas, 4 ed. .  RJ: Civilização Brasileira, 1974. 


quarta-feira, 29 de maio de 2013

NA SELVA DOS SHOPPINGS PELAS MÃOS SÁBIAS DAS CRIANÇAS

Ilustração de Talarico


 
para o Leon Navarro, que propiciou
 

            Uma matéria que circula por esses dias na rede acabou chamando minha atenção.  Trata-se de um livro organizado pelo colombiano Javier Naranjo, que compila, à maneira de um dicionário, algo em torno de 500 definições formuladas por crianças para pouco mais de 130 palavras.  O livro Casa das estrelas: o universo contado pelas crianças  tornou-se um sucesso editorial na Colômbia desde sua primeira edição, em 1999, tendo inspirado obras semelhantes na Venezuela e no México.    As definições foram colhidas por Naranjo, no tempo em que trabalhou como professor de escolas rurais no interior da Colômbia,  em exercícios de criação literária com a criançada.

 
Quem já parou para prestar atenção à maneira criativa como crianças captam e expressam o mundo pela linguagem não se surpreende com os verbetes  do dicionário, colhidos  na matéria do UOL.  Alguns exemplos:
 
Água: transparência que se pode tomar (Tatiana Ramirez, 7 anos)
Céu: de onde sai o dia (Duván Arnulfgo Arango, 8 anos)
Colômbia: é uma partida de futebol (Diego Hiraldo, 8 anos)
Escuridão: é como o frescor da noite (Ana Cristina Henao, 8 anos)
Igreja: onde a pessoa vai perdoar Deus (Natália Bueno, 7 anos)
Lua: é o que nos dá a noite (Leidy Johanna García, 8 anos)
Mãe: Mãe entende e depois vai dormir (Juan Alzate, 6 anos)
Tempo: coisa que passa para lembrar (Jorge Armando, 8 anos)
Universo: casa das estrelas (Carlos Gómez, 12 anos)
 
            Quando eu digo que não se surpreende, não quero dizer que não se encante, se não tiver perdido essa capacidade.  Desde os românticos, pelo menos, os poetam sabem  que emular a linguagem infantil é abrir portas e mais portas da percepção para o mundo, rompendo com o conformismo e a estereotipia que insidiosos  sempre começam pela linguagem. Entre nós,  brasileiros, nem  foram tanto os  românticos, em geral  um tanto conformados a seus próprios estereótipos, e sim  os modernistas que, contemporâneos de Freud, souberam instrumentalizar ideologicamente o potencial subversivo da linguagem das crianças e fazer dela uma arma de combate vigorosa – pero sin perder la ternura... – contra os valores estabelecidos pelo conformismo acadêmico nos embates intelectuais da época: o “olhar inaugural” sobre o mundo,  reivindicado pelos modernistas,  atuou como um correlato, entre outras coisas,  da visão inovadora a respeito da realidade brasileira sobre a qual  eles se debruçaram. Basta lembrar o que há de “olho de criança” na poesia de Bandeira, na poesia e na prosa (João Miramar...) de Oswald, ou de    Mário (inclusive, e muito, em Macunaíma); num outro viés, o de uma vigorosa desidealização do mundo pela linguagem,  via negatividade acendrada, será oportuno lembrar do Graciliano de Vidas secas (os capítulos que tratam dos meninos, por exemplo) e de Infância, entre outros momentos.
            Eu conto há muito tempo – desde que aconteceu – em minhas aulas,  um episódio que ilustra de forma eloqüente  para mim a vivência radical que as crianças têm da linguagem – e procuro estender os sentidos desse episódio para um aprendizado fulcral da linguagem .  Essa vivência, que os modernistas gostavam de dizer fundadora, é comentada por  Oswald com felicíssima clarividência em seu poema “3 de maio”:
 
Aprendi com meu filho de dez anos
que a poesia é a descoberta
das coisas que eu nunca vi.
 
            Eu experimentei no corpo a realidade desse curto poema  – é isso que conto sempre para meus alunos desde que o episódio aconteceu já lá se devem ir uns 15 anos – quer dizer, eu propriamente o incorporei quando, andando certa vez a segurar  a mão de  um dos meus filhos pelo shopping Rio Sul, nos vimos num setor pouco comum em shoppings: uma área em que todas as escadas rolantes “se emendam” umas nas outras, isto é, você está subindo – ou descendo – numa delas e passa para a seguinte  sem precisar se deslocar nada. Como se sabe, nos shoppings  as conexões entre um e outro segmento de escada nunca são assim,  justo para que o consumidor – nesses lugares  há apenas consumidores – caminhe mais um pouquinho,  de modo a  ser seduzido por alguma vitrine no curto espaço-tempo. 
Mas o fato é que lá no Rio-Sul há uma área onde se emendam as escadas, quase que uma “área de serviço” que dá direto pros andares de estacionamento.  Pois bem: caminhava eu com meu filho pela mão por essa área quando, ao ver de longe esse conjunto de escadas “emendadas”,  ele – que na ocasião tinha uns 5 ou 6 anos – disse: “Olha só, pai, parece os elefantes caminhando pela floresta, não é?” Meio atônito, ainda olhei para ver se o “elefante” seria eu, caso houvesse algum espelho.  Mas não, nada de espelho.  Resolvi entender: “Como assim? Por quê?”  “Porque o de trás pega com a tromba no rabo do que vai na frente...” ele me respondeu com a maior segurança e com aquele tom  de quem diz quase o óbvio.  Não sei se o leitor já percebeu do que se tratava, mas na hora eu saquei, não por grande mérito meu, claro, mas porque com filhos pequenos os desenhos animados se tornam alimento cotidiano.  Leon estava se referindo ao “Dumbo”, da Disney,  em que os elefantes saem em cortejo pela floresta, numa fila indiana na qual  o que vai atrás agarra com a tromba o rabo do elefante que vai imediatamente a sua frente.  A “metáfora lancinante” – para usar um termo que os futuristas inventaram – capaz de fazer ver numa seqüência de escadas rolantes  um cortejo de elefantes é genial demais para ser dita assim no acaso de uma conversa por um adulto: talvez um poeta adulto a escrevesse em um poema.  Mas ele teria que se tornar muito criança para fazê-lo.  E fazê-la  fluir num papo descompromissado, desarmado exigiria uma tomada de posição de sua poesia perante o mundo, muito  firme enquanto  opção poética, prenhe de estratégias, como em Oswald.  Ou Jorge Ben (Jor) em alguns de seus grandes momentos. Manoel de Barros não faria cerimônia.  Joan Brossa tampouco.
Experimentar no corpo a sensação de um poema, tal como meu filho me possibilitou  com o poema de Oswald,  tornou-me, quero crer, um professor melhor, mais apto para lidar com essas questões que estão no meu dia-a-dia profissional. E o ganho suplementar, que nada tem de desprezível, é, sem dúvida, a capacidade de enxergar num shopping-center uma dimensão que esteja além do simples consumismo, que ali mesmo, no grande templo do consumo, remeta a uma outra dimensão, a uma outra representação do mundo, mesmo que seja uma clareira  numa floresta-da-Disney. 

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

ICARAÍ NEW-GARDEN E OUTROS BREJOS

Saí de Niterói faz dois anos.  Me assustou agora constatar que morei lá por 30 anos, mas é fato, depois de 23 anos em Copacabana.  Essa simples “aritmética biográfica” me leva a uma série de associações que... deixo pra lá, não é o assunto de que quero tratar aqui.
Bom, antes de vir para este brejo onde hoje estou, morava desde 96 em Santa Rosa, em quatro endereços diferentes, numa área limítrofe com Icaraí, o que sempre me levava a perguntar na hora de preencher CEP, se eu moraria num ou noutro bairro.   Aos poucos no entanto eu fui aprendendo a contragosto que morava no Jardim Icaraí.  A contragosto por quê? Porque sempre soubera – ou achava que sabia – que o tal Jardim se restringiria a uns poucos quarteirões retirados, num cantinho que vai encostar lá pros lados do Vital Brasil. Era o que me diziam moradores mais antigos, familiarizados com essas sutilezas geográficas, em geral fruto de um convívio amoroso com a história do lugar onde moram.
Mas não! Fui constatando aos poucos, surpreso, que, sem  nunca ter ido morar no Jardim Icaraí, nos meus últimos 4 ou 5 anos por lá morei justo... no Jardim Icaraí!  É porque a especulação imobiliária que assola a antiga Cidade Sorriso  acha que “Jardim Icaraí” tem uma nobreza no nome, entendem?   “Acha”, não, melhor dizendo, sabe.  A publicidade sabe captar essas ânsias de ascensão social naqueles que vêem sua situação econômica melhorar e passam a ter como objeto de desejo  atingir outro patamar no seu dia-a-dia.   “Sempre foi assim”, digamos pra simplificar.  A conferir no poema de Oswald de Andrade dos anos 20, rindo dos novos ricos paulistanos, dentro do “espírito futurista”, impregnando de amor-humor sua relação com os “modern times”, mesmo que (ou justo por conta disso) a cavaleiro de sua condição de milionário que viria a dilapidar a fortuna da família tradicional.  No poema abaixo temos a inconfundível voz paródica oswaldiana dialogando com a mentalidade jeca-chique dos novos ricos, tão bem capitalizada pela publicidade:

IDEAL BANDEIRANTE
Tome este automóvel
E vá ver o Jardim New-Garden
Depois volte à Rua da Boa Vista
Compre o seu lote
Registe a escritura
Boa firme e valiosa
E more nesse bairro romântico
Equivalente ao célebre
Bois de Boulogne
Prestações mensais
Sem juros

Oswald  sabia que pra essa mentalidade  todo jardim é new-garden, romântico buá de bulonhe.
Vai daí que assim, quase 100 anos depois, se eu nunca morei no tal Jardim, ele veio tentar morar em mim, por artes da indústria imobiliária.  Indústria mobiliária que tem notórios laços com a trupe instalada no poder em Niterói há não sei quantos anos, devastando aquilo lá já há muitos mandatos. Saí de Niterói, portanto, a um passo de morar no Jardim Icaraí.  Uma das vezes em que por lá voltei, ao circular   pela área que virou Icaraí New-Garden,  fiz mais ou menos de cabeça o inventário das casas que por ali havia e que não existem mais.  Fazendo contas de cabeça, me toquei um tanto atordoado que desapareceram, num espaço de alguns poucos  quarteirões, umas 30 casas, substituídas, claro, por edifícios de 10 pavimentos em média.  Isso só circulando nas ruas onde morei desde 96.  Prossigo as contas: se cada edifício  abriga,  calculando por baixo, 20 famílias (na estimativa modesta de 2 aps. por andar), isso quer dizer que saíram 30 famílias e entraram... 600! As ruas do New-Garden são estreitas, a rede de esgotos para atender o número de moradores multiplicado por 20 (por baixo) é a mesma... bom, o que daí decorre está espetacularmente bem exemplificado naquela explosão que aconteceu na estação de esgotos da cidade em abril, inundando de merda e causando uma destruição inimaginável à área perto do Mercado São Pedro (que, aliás, continua sendo a melhor coisa de Niterói – o mercado, não a área).
Sem exagero, sem vontade de fazer “literatura”, sem expressionismo chulé: bandas de música, fanfarras, faixas, gambiarras, bandeiras e guirlandas, fogos de artifício e pobres, muitos pobres muito pobres de perucas multicoloridas – “e quase brancos quase pretos de tão pobres” – foi o que vi de uma das últimas vezes que circulei por onde morei (um quadrilátero formado pela Lopes Trovão, a Otavio Kelly, a Av. Sete e a Rua Santa Rosa).  E vi em três esquinas diferentes, em stands de vendas abarrotados (de novo sem hipérbole) das incorporadoras, os lançamentos espalhafatosos de  uns “Palazzo de Milano”, “Quartier  Versailles” e assemelhados... ou seja, o processo de destruição urbana e todas as suas conseqüências (pet-shops, academias pra exercitar narciso, restaurantezinhos  metidos a finos, barzinhos pra ocupar as calçadas com cadeiras e bêbados chatos etc) está longe de se dar por esgotado, vai render (em mais de um sentido) ainda um bocado.  
Outro dia li um texto no  ótimo blog do poeta Oswaldo Martins  e posto aqui uns trechos, não só porque concordo integralmente com ele mas também porque ilustram perfeitamente o que eu estou querendo dizer:

“Quando alguém, visando a beleza de um produto, a ele dá um nome de um pintor, de um poeta, de um músico, falseia a relação do produto com o público e mostra a destruição que a obra do artista sofre pela exposição midiática. A emulação grosseira pressupõe a falta de leitura daqueles que os mestres da publicidade pensam ser o público alvo do produto oferecido.
(...)
Quando Baudelaire disse que o poeta iria ao mercado vender a alma, como as putas vendem o corpo, não disse ou justificou a mixórdia do mercado – senão que dele fez lugar de preferência para passear a inaptidão do sujeito, sua radical redução à aberração denunciatória dos novos tempos recém-inaugurados.
Quando Caetano entra na justiça para proibir que um investimento qualquer roube-lhe a tropicália para nela fazer morar mal-pensantes que pensam comprar a modernidade e o paraíso, merece, novamente, nossa absoluta aprovação.”  (cliquem aí http://osmarti.blogspot.com/2011/10/picasso.html)


Citei lá em cima o  antropófago. Já  Oswaldo Martins passa por Baudelaire e fecha com Caetano, perfazendo aqui no todo deste texto um percurso por três grandes artistas e grandes provocadores (artistas provocadores) da modernidade (palavra, aliás, que foi cunhada pelo francês).  Enxergar essa dimensão do urbano como horror e fascínio (Friedrich), como aquilo que a poesia não teria mais como nem porque se furtar a tomar como tema e como problema (Candido), essa primeira “sacada”, por assim dizer, quem a teve foi, parece mesmo, Baudelaire.  Oswald soube rir, cínico e conciso, dessa avalanche espreitante de filisteísmo. Assim como Luís Aranha, este com boa dose de galhofa e de jorro poético, parece que entre nós foram eles que mais se aproximaram do “futurismo” de Apollinaire, Cendrars e Palazzeschi, o entusiasmo dos novos tempos numa das mãos, a derrisão na outra.   Mário e Bandeira, para ficar só na primeira hora dos anos 20, também cantaram a cidade moderna, sendo que neles parece haver sempre um travo de indefinível melancolia pela perda de uma paisagem anterior – e neles muito interiorizada.  Foi bom para mim me retirar aqui para este brejo e poder meditar e amar mais detida e distanciadamente essa poesia.  Ainda que para me deparar com minha própria raiva surda e impotente diante desse processo.
Da última vez que estive em Niterói, estava no campus da UFF no Gragoatá quando uma colega comentou que “aqueles apartamentos ali” estavam sendo vendidos a 300, 400 mil cada um.  Olhei para ver quais apartamentos e constatei que se tratava simplesmente de novos prédios em fase já final de construção onde era o casario na Avenida Litorânea, no trecho que medeia entre São Domingos e o Forte.  Meio desconcertado perguntei à amiga se era aquilo mesmo, se eles estavam ali no lugar daquelas casas... diante da resposta afirmativa, não lembrei do “diabo leve quem pôs bonita a minha terra!” do Bandeira, não.  Nem fiquei pensando com que nomes eles teriam sido batizados para ganharem seu verniz de obras de arte. Tive mesmo foi vontade de nunca mais voltar a Niterói.


sexta-feira, 22 de abril de 2011

AH, UM SONETO... DE LÊDO IVO

SONETO DO EMPINADOR DE PAPAGAIO

A nada aceito, exceto a eternidade,
nesta viagem ambígua que me leva
ao altar absoluto que, na treva,
espera pela minha inanidade.

O que sonhei, menino, hoje é verdade
de alva estação que em meu silêncio neva
o inverno de uma fábula primeva
que foi sol, cego à própria claridade.

Na hora do fim de tudo, separados
fiquem os dois comparsas do destino
que sabe a cinza após o último alento.

E a morte guarde em cova os injuriados
despojos do homem feito; que o menino
empina o papagaio, vive ao vento.
                                                  Lêdo Ivo



Duas anotaçõezinhas:
1.    Postei no dia 20, anteontem, o “Bonde”, meu poema favorito de Oswald de Andrade, e me lembrei, quase que por antonomásia, de Lêdo Ivo, que por ser um dos “top” da Geração de 45, se situa poeticamente bem longe do genial antropófago modernista.  E lembrei, claro, do divertido episódio “calcanhar de Aquiles X chulé de Apolo”, que tinha lido certa vez em Haroldo de Campos.  Posto aqui o trecho da entrevista de Haroldo, que colhi no site “Tiro de Letra” 

2.    Junto aqui um poeta a outro também porque a Folha de S.Paulo publicou recentemente uma entrevista de Lêdo Ivo, e eu concordo integralmente com sua posição quanto à prática cada vez mais comum de herdeiros parasitarem o nome de seus parentes célebres, que fizeram por onde ser célebres. Vai aí o link: http://sergyovitro.blogspot.com/2011/04/familia-nao-devia-herdar-obras-diz-ivo.html

quarta-feira, 20 de abril de 2011