terça-feira, 29 de julho de 2014

Mesa-redonda no Café Literário SESC Paraty na FLIP




               Amigos, estarei participando do Café Literário do SESC Paraty, atividade integrada à FLIP, no dia 31/07, quinta-feira próxima, às 18:30 h (vejam acima).  A atividade integra também o lançamento da nova edição da revista PALAVRA, na qual há um artigo meu, "O golpe de 64 e a cultura: frustração, resistência e consciência do estrago".  O SESC Paraty fica no Centro Histórico, na Rua Dona Geralda, 320.  Será uma honra e uma alegria o comparecimento de vocês. 

segunda-feira, 28 de julho de 2014

IVAN JUNQUEIRA


                                                                  ONDE ESTÃO?

 

                                Partimos cuando nacemos,
                                   andamos mientras vivimos,
                                   y llegamos
                                   al tiempo que fenecemos;
                                   así que cuando morimos
                                   descansamos.

                                Jorge Manrique, Coplas por la muerte de su padre, V

 

Onde estão os que partiram
desta vida, desvalidos?
Onde estão, se não ouvimos
deles sequer uma sílaba?
 
Onde o pai, a mãe, a ríspida
irmã que se contorcia
sob a névoa dos soníferos
e a gosma da nicotina?

Ou bem a outra, a quem víamos
trincar, crispada, os caninos,
banhada em sangue e saliva,
no espasmo agudo das fibras?

Onde o riso dos meninos
que entre as folhas se escondiam
como pássaros nos ninhos,
ermos de infâmia ou malícia?

Onde a lúbrica menina
cujas coxas se entreabriam
à gula dos que sabiam
tocar-lhe os veios mais íntimos?

Onde, enfim, toda a família
que se desfez qual farinha
por entre as mós antiqüíssimas
de algum oculto moinho?

Onde estão os que seguiram
seus inóspitos caminhos
ou sendas que, mais propícias,
desaguaram no vazio?
 
Onde os bens, a glória, a insígnia,
se tudo o que aqui se vive
reverte empós aos jazigos
e lá, sob o pó, esfria?
 
Poder, riqueza, honraria
são como areia dos rios:
retinem, fluem, cintilam,
e se esvaem, sem valia.

Nômades de ásperas trilhas,
andamos mientras vivimos,
até que a morte, em surdina,
nos deite as garras de harpia.

E tudo afinal se finda
sem cor, sem luz, sem martírio;
asi que cuando morimos,
de nós mesmos nos sentimos

tão distantes quanto as cinzas
de uma estrela que se extingue
na goela azul dos abismos.
E ninguém, nem Deus, nos lastima.

 

Ivan Junqueira.  Poemas reunidos.  RJ: Record, 1999.


Ivan Junqueira (1934-2014)

quarta-feira, 23 de julho de 2014

EDGAR ALLAN POE




Não fui, na infância, como os outros
e nunca vi como outros viam.
Minhas paixões eu não podia
tirar de fonte igual à deles;
e era outra a origem da tristeza,
e era outro o canto, que acordava
o coração para a alegria.
Tudo o que amei, amei sozinho.
Assim, na minha infância, na alba
da tormentosa vida, ergueu-se,
no bem, no mal, de cada abismo,
a encadear-me, o meu mistério.
Veio dos rios, veio da fonte,
da rubra escarpa da montanha,
do sol, que todo me envolvia
em outonais clarões dourados;
e dos relâmapagos vermelhos
que o céu inteiro incendiavam;
e do trovão, da tempestade,]
daquela nuvem que se alteava,
só no amplo azul do céu puríssimo,
como um demônio ante meus olhos.
 
                                   Tradução de Oscar Mendes e Milton Amado
 

Edgar Allan Poe. Poemas e ensaios. SP: Globo, 2009.

 
 

ALONE

From childhood's hour I have not been
As others were; I have not seen
As others saw; I could not bring
My passions from a common spring.
From the same source I have not taken
My sorrow; I could not awaken
My heart to joy at the same tone;
And all I loved, I loved alone.
Then- in my childhood, in the dawn
Of a most stormy life - was drawn
From every depth of good and ill
The mystery which binds me still:
From the torrent, or the fountain,
From the red cliff of the mountain,
From the sun that round me rolled
In its autumn tint of gold,
From the lightning in the sky
As it passed me flying by,
From the thunder and the storm,
And the cloud that took the form
(When the rest of Heaven was blue)
Of a demon in my view.
 



quarta-feira, 16 de julho de 2014

AH, UM SONETO... DE MALLARMÉ


À só tenção de ir além de
Uma Índia em sombras e sobras
– Seja este brinde que te rende
O tempo, cabo que ao fim dobras

Como sobre a vela da nave
Mergulhando com a caravela
Espumante a ávida ave
Da novidade sempre vela

A cantar com monotonia
Sem jamais volver o timão
Uma jazida ali à mão
Noite demência e pedraria

Que se reflete pelo casco –
Ao riso pálido de Vasco.

                                               Tradução de Augusto de Campos
 
 

 
 
Au seul souci de voyager
Outre une Inde splendide et trouble
– Ce salut soit le messager
Du temps, cap que ta poupe double

Comme sur quelque vergue bas
Plongeante avec la caravelle
Écumait toujours en ébats
Um oiseau d’annonce nouvelle

Qui criait monotonement
Sans que la barre ne varie
Un inutile gisement
Nuit, désespoir et pierrerie

Par son chant reflété jusq’au
Sourire du pâle Vasco.

 

 

In: Mallarmé. Trad. e org. Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos.  SP: Perspectiva, 1972.

domingo, 13 de julho de 2014

MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO

Sá-Carneiro celebrizado na caricatura de Almada Negreiros



CARANGUEJOLA

 

Ah, que me metam entre cobertores,
E não me façam mais nada!...
Que a porta do meu quarto fique para sempre fechada,
Que não se abra mesmo para ti se tu lá fores!

Lã vermelha, leito fofo.  Tudo bem calafetado...
Nenhum livro, nenhum livro à cabeceira...
Façam apenas com que tenha sempre a meu lado
Bolos de ovos e uma garrafa de Madeira.

Não, não estou para mais; não quero mesmo brinquedos.
Pra quê? Até se mos dessem não saberia brincar...
Que querem fazer de mim com esses enleios e medos?
Não fui feito pra festas.  Larguem-me! Deixem-me sossegar!

Noite sempre plo meu quarto.  As cortinas corridas,
E eu aninhado a dormir, bem quentinho – que amor!...
Sim: ficar sempre na cama, nunca mexer, criar bolor –
Plo menos era o sossego completo... História! Era a melhor das vidas...

Se me doem os pés e não sei andar direito,
Pra que hei de teimar em ir para as salas, de Lord?
Vamos, que a minha vida por uma vez se acorde
Com o meu corpo, e se resigne a não ter jeito...
 
De que me vale sair, se me constipo logo?
E quem posso eu esperar, com a minha delicadeza?...
Deixa-te de ilusões, Mário! Bom edredom bom fogo –
E não penses no resto.  É já bastante, com franqueza...

Desistamos.  A nenhuma parte a minha ânsia me levará.
Pra que hei de então andar aos tombos, numa inútil correria?
Tenham dó de mim.  Co’a breca! Levem-me pra enfermaria! –
Isto é, pra um quarto particular que o meu Pai pagará.
 
Justo.  Um quarto de hospital higiênico, todo branco, moderno e tranqüilo;
Em Paris, é preferível, por causa da legenda...
De aqui a vinte anos a minha literatura talvez se entenda;
E depois estar maluquinho em Paris fica bem, tem certo estilo...
 
Quanto a ti, meu amor,  podes vir às quintas-feiras,
Se quiseres ser gentil, perguntar como eu estou.
Agora no meu quarto é que tu não entras, mesmo com as melhores maneiras...
Nada a fazer, minha rica.  O menino dorme.  Tudo o mais acabou.

                                                                       Paris, 1915

 
Mário de Sá-Carneiro.  Poemas completos.  Lisboa: assírio & Alvim, 2001
 

domingo, 6 de julho de 2014

GOTTFRIED BENN



A BELA JUVENTUDE

 

A boca da moça que longo tempo jazera em meio aos juncos estava toda roída.
Quando lhe abriram o peito, o esôfago era só buracos.
Acabaram achando numa arcada abaixo do diafragma
um ninho de ratos novos.
Uma das ratinhas morrera.
Seus irmãos viviam do fígado e dos rins;
bebiam sangue frio e tinham
passado ali uma bela juventude.
E bela e pronta foi também a morte deles:
jogaram-nos todos na água.
Ah, como os focinhozinhos guinchavam!

 
                                               Tradução de José Paulo Paes


Ilustração de Talarico




SCHOENE JUGEND

 
Der Mund eines Mädchens, das lange im Schilf gelegen hatte,
sah so angeknabbert aus.
Als man die Brust aufbrach, was die Speisröhre so löcherig.
Schliebflich in einer Laube unter dem Zwerchfell
fand man ein Nest von jungen Ratten.
Ein kleines Schwesterchen lag tot.
Die andern lebten von Leber und Niere,
tranken das kalte Blut und hatten
hier eine schöne Jugend verblebt.
Und schön und schnell kam auch ihr Tod:
Man warf sie allesant ins Wasser.
Ach, wue die kleinen Schnauzen quietschten!
 
           

In: José Paulo Paes: Gaveta de tradutor.  Florianópolis: Letras Contemporâneas, 1996.                     
 


 

terça-feira, 1 de julho de 2014

ELISEO DIEGO




NA COZINHA

 

O gato enrosca a delícia
de si sobre si mesmo e dorme
de cabo a rabo, secreto,
                        enquanto

a penumbra bosqueja dissidências
de panelas e potes, resistentes
ao império do sonho.
                        Cai o mundo

por um fio d’água, resmunga
consigo o fogo, mas o gato
o ignora:
                        permanece

singelamente, imune
a memória e olvido, a salvo
na delícia do seu ser
                        – perfeito

 

 
EM LA COCINA

 
Enrosca el gato su delícia
de si sobre si mismo, duerme
de su princípio a fin, secreto.
                        En tanto

esboza la penumbra disidencias
de cazuelas y potes, resistentes
al imperio del sueño.
                        Cae el mundo

por el filo del agua, gruñe
para si el fuego, pero el gato
lo ignora:
                        permanece

sencillamente, inmune
a memoria y olvido,  a salvo
en la delicia de su ser
                        – perfecto.

 

                                               Tradução de José Paulo Paes

 

                                   In: José Paulo Paes. Gaveta de tradutor. Florianópolis: Letras contemporâneas, 1996.