Mostrando postagens com marcador Pablo Neruda. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Pablo Neruda. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 16 de maio de 2024

CAVALHEIRO SÓ, Pablo Neruda


 

    É extraordinário este poema do chileno Pablo Neruda (1904-1973), pela capacidade de falar por um eu poético perverso, reprimido sexualmente, que se enxerga solitário, punido, cercado de demônios libertinos.  


CAVALHEIRO SÓ

 



PAES, José Paulo (sel. org. tradução e notas), Poesia erótica em tradução. São Paulo:

Companhia das letras, 1990.






quarta-feira, 29 de junho de 2016

PABLO NERUDA (1901-1975) : QUATRO POEMAS DE AÚN

Neruda em Araucânia



VI
Perdão, se quando quero
contar minha vida
é terra o que conto.
Esta é a terra.
Cresce em teu sangue
e cresces.
Se se apaga em teu sangue
te apagas.

 

 

XV
 
Nós, os perecíveis, tocamos metais,
vento, margens do oceano, pedras,
sabendo que continuarão, imóveis ou ardentes,
 e eu fui descobrindo, nomeando todas as coisas:
foi meu destino amar e despedir-me.
 

 


XXV

Vai-se o hoje: uma cápsula
de fria luz que volta a seu recinto,
à sua mãe sombria, renascendo.
Deixo-o agora envolto em sua linhagem.
Dia, é verdade que participei na luz?
Tempo, sou parte de tua catarata?
Areias minhas, solidões!
 
Se é verdade que partimos,
fomos nos consumindo
em pleno sal marinho
e a golpes de relâmpago.
Minha razão tem vivido na intempérie,
entreguei ao mar meu coração calcário.
 
 



XXVI

Se há uma pedra destroçada
dela faço parte:
estive na ventania,
na onda,
no incêndio terrestre.
 
Respeita essa pedra perdida.
 
Se encontras num caminho
um menino
roubando maçãs
e um velho surdo
com um acordeon,
recorda que eu sou
o menino, as maçãs e o ancião.
Não me magoes perseguindo o menino,
não batas no velho vagabundo,
não atires ao rio as maçãs.
 

                            Tradução de Olga Savary

 
 
 
Pablo Neruda.  Ainda (Aún).  4 ed.  RJ: José Olympio, 1984.
 
 
 

segunda-feira, 7 de abril de 2014

PABLO NERUDA NO PASQUIM



O GRANDE URINADOR

O grande urinador era amarelo
e o jorro que caiu
era uma chuva de bronze
sobre as cúpulas das igrejas,
sobre os tetos dos automóveis,
sobre as fábricas e os cemitérios,
sobre a multidão e seus jardins.
 
Quem era e onde estava?

Era uma densidade, líquido espesso
o que caía como de um cavalo
e assustados transeuntes
sem guarda-chuvas
interrogavam o céu
enquanto as avenidas se alagavam
e por debaixo de suas portas
entravam as urinas incansáveis
que iam enchendo açudes,
corrompendo pisos de mármore,
tapetes e escadas.
 
O que quer dizer isto?

Sou um simples e pálido poeta
e não vim para decifrar enigmas
nem propor guarda-chuvas especiais.
Até logo! Saúdo e me retiro
para um país onde não me façam perguntas.

 

                        Tradução de Olga Savary
In:O Pasquim n. 300.  29/03 a 04/04/1975

 

            Folheando aqui uns exemplares do legendário jornal carioca O PASQUIM, primeira grande trincheira sistemática de resistência  na imprensa ao período mais negro da ditadura instaurada com o golpe de 64, deparo-me, em seu número 300,  com uma matéria de Moacyr Werneck de Castro, falando de sua convivência com  Pablo Neruda.  A matéria traz ainda esse poema que aqui posto, com a anotação de que seria um dos dois últimos poemas escritos por ele..  Não consegui localizar o original em espanhol, para postá-lo aqui junto com a tradução,  como costumo fazer. 

            Bom me deparar com este poeta em meio às tantas páginas amareladas desses não muitos números do PASQUIM que tenho comigo encadernados.  Bom por vários motivos, entre eles o de lembrar, nesses dias em que as rememorações do funesto período de ditadura encontram-se à flor da pele, assim como timidamente se renovam as nossas esperanças cívicas quase vãs de que efetivamente se punam aqueles que tanto violaram as prerrogativas básicas da vida democrática e civilizada, lembrar o nome de um poeta de tão alta poesia e de exemplar presença contra os desmandos da terrivelmente assassina instaurada em sua pátria, o Chile, num golpe de estado poucos dias antes de sua morte – cujas circunstâncias, aliás, integram um processo de revisão pela justiça daquele país, uma vez que crescem os indícios de que Neruda – que  era amigo pessoal de Salvador Allende, o presidente socialista deposto e assassinado no golpe – tenha sido ele próprio também de fato assassinado pela ditadura de Pinochet, e não morrido por conta de um câncer na próstata, como sustentava a versão oficial.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

PABLO NERUDA


ODA AL GATO

Los animales fueron
imperfectos,
largos de cola, tristes
de cabeza.
Poco a poco se fueron
componiendo,
haciéndose paisaje,
adquiriendo lunares, gracia, vuelo.
El gato,
sólo el gato
apareció completo
y orgulloso:
nació completamente terminado,
camina sólo y sabe lo que quiere.

El hombre quiere ser pescado y pájaro
la serpiente quisiera tener alas,
el perro es un león desorientado,
el ingeniero quiere ser poeta,
la mosca estudia para golondrina,
el poeta trata de imitar la mosca,
pero el gato
quiere ser sólo gato
y todo gato es gato
desde bigote a cola,
desde presentimiento a rata viva,
desde la noche hasta sus ojos de oro.

No hay unidad
como él,
no tiene
la luna ni la flor
tal contextura:
es una sola cosa
como el sol o el topacio,
y la elástica línea en su contorno
firme y sutil es como
la línea de la proa de una nave.
Sus ojos amarillos
dejaron una sola
ranura
para echar las monedas de la noche.

Oh pequeño
emperador sin orbe,
conquistador sin patria,
mínimo tigre de salón, nupcial
sultán del cielo
de las tejas eróticas,
el viento del amor
en la intemperie
reclamas
cuando pasas
y posas
cuatro pies delicados
en el suelo,
oliendo,
desconfiando
de todo lo terrestre,
porque todo
es inmundo
para el inmaculado pie del gato.

Oh fiera independiente
de la casa, arrogante
vestigio de la noche,
perezoso, gimnástico
y ajeno,
profundísimo gato,
policía secreta
de las habitaciones,
insignia
de un
desaparecido terciopelo,
seguramente no hay
enigma
en tu manera,
tal vez no eres misterio,
todo mundo te sabe y perteneces
al habitante menos misterioso,
tal vez todos lo creen,
todos se creen dueños,
propietarios, tíos,
de gatos, compañeros,
colegas,
discípulos o amigos
de su gato.

Yo no.
Yo no subscribo.
Yo no conozco al gato.
Todo lo sé, la vida y su archipiélago,
el mar y la ciudad incalculable,
la botánica,
el gineceo con sus extravíos,
el por y el menos de la matemática,
los embudos volcánicos del mundo,
la cáscara irreal del cocodrilo,
la bondad ignorada del bombero,
el atavismo azul del sacerdote,
pero no puedo descifrar un gato.
Mi razón resbaló en su indiferencia,
sus ojos tienen números de oro.

In: Pablo Neruda. Antologia poética, 1973.