Anotação 22.
Sei que para vencer na vida e infundir respeito tem-se de ser sério. Todavia, não só me é difícil afetar seriedade como não a tenho em alta conta.
Vou explicar-me melhor. Nas coisas sérias, agrada-me a seriedade por meia hora, ou mesmo, uma, duas, três horas por dia.
No restante, agradam-me os ditos espirituosos, os gracejos, a ironia e os embustes (humbugging) inteligentes.
Mas não são convenientes.
Perturbam os negócios.
Pois as mais das vezes tenho de avir-me com pessoas ignorantes ou néscias. Elas são sempre sérias. Focinhos de uma seriedade bestial: como gracejar com elas se não compreendem coisa alguma? Seus focinhos sérios são o reflexo disso. Tudo é problema e dificuldade para a sua ignorância e bestialidade porque, como nos bois e nos carneiros ( os animais têm fisionomias tão sérias!), a seriedade se difunde pelos seus traços fisionômicos.
O homem bem-humorado é em geral menosprezado, não merece maior consideração, não inspira muita confiança.
Daí que eu me empenhe em mostrar aos outros uma aparência séria. Descobri que isso me facilita grandemente os negócios. Por dentro, porém, estou rindo e me divertindo à larga.
26.10.1908
Anotação 2b.
Um dos talentos dos grandes estilistas é fazer com que, pelo seu modo de empregá-las, palavras obsoletas deixem de parecer obsoletas. Elas ocorrem com a maior naturalidade nos textos deles, ao passo que nos de outros parecem afetadas ou fora de lugar. Isso se deve ao tato & discernimento de tais escritores, que sabem quando – & somente quando – o termo em desuso pode ser empregado & revelar-se artisticamente agradável ou linguisticamente necessário: & então ele só é obsoleto de nome. Trouxeram-no de volta à vida as naturais exigências de um estilo vigoroso ou sutil. Não é um cadáver desenterrado (como no caso de escritores menos capazes) mas um belo corpo despertado de um sono longo & reparador.
In: Reflexões sobre poesia e ética. Trad. de José Paulo Paes, 1998.
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O poeta grego Konstantinos Kaváfis, 1863-1933 |