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domingo, 2 de julho de 2017

Lançado Despreparação para a morte

Lançado no dia 23 de junho, meu terceiro livro de poemas, Despreparação para a morte, pela Editora TextoTerritório.


Com a bela capa de Talarico – meu ilustrador habitual aqui no Firma – e texto de orelha de Adriano Nunes (cf. abaixo) , o livro pode ser adquirido através de contato com a própria editora no link  

ou acessando via Facebook em





A beleza irônica do despreparo – Por Adriano Nunes

O que se deve buscar, in totum, num livro de poemas, além de poemas, claro? A beleza poderia ser uma das infindas respostas. Após a leitura atenta do livro Despreparação para a morte, de Roberto Bozzetti, deparei-me com um dilema intrigante: até que ponto é possível atingir, através de signos e significados, imagens e sentidos, formas e espaços, uma beleza não convencional, despreparada ad hoc, não comedida e nem toujours prêt-à-porter, dotada de deboche, riso, trivialidade, ironia e astúcia e, ainda, amalgamá-la a artifícios e recursos clássicos? Como impregnar a beleza de inteligência, vivência, maturidade, sapiência, sem lhe dar ares e eras de arte pretensiosamente bem comportada, para satisfazer as exigências sub-reptícias do leitor? Nesse labirinto borgeano em que me desencontrei, preferi não ir atrás dos fios de Ariadne: dar-me inteiro e pleno a cada verso, a cada estrofe, a cada poema poderia (e pôde!) conduzir-me a um recanto onde, conforme Coleridge, eu estaria cercado pelas melhores palavras na melhor ordem, isto é, estaria tête-à-tête com a própria poesia, aquela que advém das Musas, para ser poesia e só. Uma poesia de morte e vida, de consciência, lucidez e de atrevimento. A morte que se cuide! Se é certo que o tema da morte percorre o livro, também é certo que a vida, com toda a sua energia pulsante, escancarada, alegre, dionisíaca, criativa, também transita, com maestria, pelos precisos versos engendrados pelo poeta carioca. Sem receios ou dúvidas, constato, criticamente, que o belo livro do amigo Roberto Bozzetti merece ser lido, relido e, máxime, aplaudido, por tratar-se de um dos mais belos e impactantes livros de poemas dos últimos anos.
                   (orelha de Despreparação para a morte)
          


 

domingo, 23 de outubro de 2016

COM ADRIANO NUNES E PAULO TALARICO




     No acaso algorítmico das redes sociais, me deparo no Facebook com uma dupla postagem de há um ano: um poema que dediquei a Adriano Nunes (e Paulo Talarico) e um poema de Adriano Nunes a mim dedicado.  Reúno aqui os dois poemas, acrescentando uma ilustração de Talarico que diz bem do que os poemas também dizem: os dados do bem-querer e dos acasos da amizade.  Num bom domingo!



NÃO ME CHAME
                    para o Adriano Nunes e
           o Paulo Talarico

Não me chame
         não sou gregário
                   não sou de enxame
é pouco provável
         que eu vá
embora nem vá
dizer:

 Não

mas não vou
não me espere
nunca me atraso
também
não me adianto
nem pro ménage
nem pra homenagem
    nem pro rendez-vous
nem pra santíssima trindade

Não quero encontrar os semelhantes
não tou na fila do confessionário
nem na do mega-show
nem na do lambe o cu do empresário
nem na dos cumprimentos
o pódio que desabe

nado e que se foda a direção dos ventos
e o que leva a correnteza
        
eu já tou dentro e muito dentro
não tenho tempo, absorvido sou
escravo
anfitrião
hóspede
              da beleza






"O PÓDIO QUE DESABE"
 para Roberto Bozzetti

Nem todos os louros da Grécia Antiga
Nem o ouro da Atlântida perdida
Nem medalhas civis ou militares
Nem mesmo as placas comemorativas
Nada disso convém, bom que se diga
Nada disso faz falta a qualquer lida
Nem pedestais de santos nem altares
Nem tronos de nobres sequer de trastes
Nem as honras da recompensa pública
Nem as tais glórias tidas como únicas
Nada disso aqui vale, em nada implica
Nada disso dá alma a qualquer vida
Nem homérica íntima homenagem
Nada: só Arte! E o pódio que desabe!


quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

ADRIANO NUNES




RUDOLPH E AS GRAVATAS

                    
Rudolph amava ter gravatas.
Como todo homem que amava
Ter gravatas, muitas comprava.
De tons distintos, cores várias.
De algodão e seda importada.
Ah, quantas colecionava!


Rudolph amava ter gravatas,
Porém em nenhuma nó dava
Porque não sabia. Guardava-as
Numas caixas, enfileiradas.
Era a sua empregada Lália 
Quem os nós dava, "nós de alma",

Como falar bem costumava.
Somente Lália tais gravatas
Manuseava. Três a cada
Semana, sempre as mais baratas -
Sempre as do trabalho na fábrica!
Como o olhar de Rudolph brilhava!

Certa noite, cansado já 
Da vida, cansado da fábrica,
Resolveu nós com as gravatas
Dar. Umas às outras, atadas.
Subiu, pensativo, as escadas
Que ao segundo andar levavam.

Deixa despencar uma lágrima.
Será mesmo que Rudolph salta?
Arrependeu-se. Ao olhar para
Suas gravatas amassadas,
Ficou demais triste e com raiva. 
Ah, culpa de Lália, a empregada!

Rudolph amava ter gravatas.
Como todo homem que amava
Ter gravatas, tantas comprava.
De panos lindos, marcas várias.
Será mesmo que ainda salta?
Como o olhar de Lália brilhava

Quando dava os nós nas gravatas!
Ficou demais triste e sem nada!
Sete e dez. O alarme da fábrica 
Soa alto. As pessoas passam
Apressadas. As chances calam.
Suspenso no ar, Rudolph baila.
 
 

 Poema inédito em livro, cedido pelo autor, colhido em seu blog http://astripasdoverso.blogspot.com.br/
 
 

sábado, 13 de junho de 2015

ADRIANO NUNES



 
 
RECADO FIXO À PORTA DA GELADEIRA

 

Eros, por favor, ao saíres, recolhe
As lembranças ardentes que em mim deixaste
De outra boca, as intermináveis tardes
Que ainda ardem sobre o colchão e as colchas,
Todas as fotos rasga, em diversos cortes,
Lança-as no fogo do olvido, a vista é tola,
Pode querer reaver o que não vale
Simples sinapse, outra ilusão, saudade.
Porém, ouve bem, deixa a prova dos nove –
As fendas das flechadas abertas, todas!
Pra que em busca de catarse bem me mova.
E também por mim último ato faze:
Leva o cão para passear, lava a louça,
E volta, à madrugada. Será que podes?
 
 

Adriano Nunes. Quarenta contente cantante. Porto Alegre: Vidráguas, 2015.

          Para o livro de quarenta  poemas com que comemora seus 40 anos , o poeta Adriano Nunes gentilmente convidou-me a que escrevesse a orelha, o que muito me alegrou,  e o fiz nos seguintes termos:

         “Numa redoma antibárbara do mundo virtual, no meio da mais torpe barbárie, costumo encontrar Adriano, o poeta de báratros e empíreos,  o estudioso incansável, o tradutor aceso,  o curioso infindo, laboratorista de acasos.  
         Muito me orgulha sempre que me diz que adoraria ter tido a chance de ser  meu aluno.  E mais: vivendo nós dois na casa na poesia-amizade, ele diz generoso: “No fundo, creio na humanidade. Por isso escrevo”  Ai de nós se não crêssemos ou se pararmos de crer, lhe digo.  Ou melhor: ai do mundo se Adriano Nunes parar de crer.”

          Com o livro em mãos, de fatura belíssima, capa de Gal Oppido e projeto gráfico ao mesmo tempo muito arrojado e elegante a cargo de Niura Fernanda, a edição muito caprichada da Vidráguas me pôs diante do impasse de escolher entre três dos poemas de minha especial predileção.  Acabei optando por este “soneto disfarçado” – chamo-o assim quase como uma desculpa por  não incluí-lo na seção “Ah, um soneto...” aqui do blog, onde não faz muito tempo postei um  do poeta.  É um soneto inteiriço, esteado sobre a cantante sonoridade – para fazer jus ao título do livro – do hendecassílabo, com um ar, quer  imagético, quer  do próprio fraseado, (sem dúvida nenhuma tem a ver com a maneira como se apropria do tema), um ar que remete à poesia beat, certamente movido, mesmo que um tanto  à revelia – conjeturo – de processos conscientes, pela larga  intimidade do poeta  com o idioma inglês. É belíssimo o  recado de Adriano a um, quiçá, disponível Eros.

 

sábado, 7 de março de 2015

OS PRESENTES: AH, UM SONETO... DE ADRIANO NUNES E UMA CANÇÃO DE PAULINHO LÊMOS

(edição especial de aniversário)

             Cada ano que comemoramos ao perdê-lo traz como uma de suas compensações os presentes com que os que gostam da gente nos regalam.  Assim, tendo comemorado meus 59 (ou 69 menos 10), nesse último dia 3 ganhei, entre outros presentes adoráveis, alguns muito especiais,  porque feitos por quem os ofereceu.   Vejam só que maravilhas:

 
Presente 1: O soneto em versos hendecassílabos de Adriano Nunes; do poeta, aliás, recomendo mais uma vez o seu excelente blog

http://astripasdoverso.blogspot.com.br/

"No infinito do que dito pode ainda"

Sobre o branco que se expande logo cedo,
 Sob um incognoscível céu que se finca
 No infinito do que dito pode ainda
 Ser sobre o que pode ser de qualquer jeito,

Nasce um soneto para o amigo Roberto,
 Com onze soltas sílabas, pra que diga
 Ao poeta, no seu dia, quão antiga
 Nossa amizade, desde Troia, decerto
 
É. Com imenso prazer, canto a cantiga
 Da existência, do que comemora o estreito
 Laço que em nós cria a alegria e interliga

Verso a verso, o que não pode ser desfeito, 

 Como um contrato no qual o amor assina
 E deixa a sua irreconhecível firma.



O poeta Adriano Nunes



Com Paulinho Lêmos



 Presente 2: do amigo Paulinho Lemos, cancionista de primeira, há muitos anos radicado na Espanha (mais especificamente em Barcelona), recebi a preciosa melodia com que ele tratou um poema que anteriormente eu havia publicado aqui mesmo no Firma, em 5 de agosto de 2011:

http://robertobozzetti.blogspot.com.br/2011/08/noite-obliqua.html

Abaixo o poema e o link para o áudio da canção no youtube.


A noite oblíqua

 
Nem sonho nem vigília
serena inquietação
pelo que se quer
e não pode
ser a não ser
pleno agora
palma de mão
ilharga
pele macia
aos dedos os mamilos
sereno dentro e fora
o dia que não tarda
sobre os flancos da garoa
ilha redoma nicho
rede cama ninho
trama a iludir o sono
urdida pela saudade
fina linha de carinho
a hora de se ir já chega
à noite se achega
a manhã
devagarinho.
 

sábado, 3 de maio de 2014

JUAN GELMAN



ARTE POÉTICA

Entre tantos ofícios exerço este que não é meu,

como um amo implacável
obriga-me a trabalhar de dia, de noite,
com dor, com amor,
sob a chuva, na catástrofe,
quando se abrem os braços da ternura ou da alma,
quando a enfermidade afunda as mãos.

A este ofício obrigam-me as dores alheias,
as lágrimas, os lenços saudadores,
as promessas em meio ao outono ou ao fogo,
os beijos de encontro, os beijos de adeus,
tudo me obriga a trabalhar com as palavras, com o sangue.

Nunca fui o dono de minhas cinzas, meus versos,
rostos obscuros escrevem-nos como atirar contra a morte.


                                                           Tradução de Adriano Nunes

 

ARTE POÉTICA


Entre tantos oficios ejerzo éste que no es mío,

como un amo implacable
me obliga a trabajar de día, de noche,
con dolor, con amor,
bajo la lluvia, en la catástrofe,
cuando se abren los brazos de la ternura o del alma,
cuando la enfermedad hunde las manos.

A este oficio me obligan los dolores ajenos,
las lágrimas, los pañuelos saludadores,
las promesas en medio del otoño o del fuego,
los besos del encuentro, los besos del adiós,
todo me obliga a trabajar con las palabras, con la sangre.

Nunca fui el dueño de mis cenizas, mis versos,
rostros oscuros los escriben como tirar contra la muerte. 



                                       In: GELMAN, Juan. Poesía Reunida. Barcelona: Seix Barral, 2012.

 


Em janeiro deste ano morreu na cidade do México Juan Gelman, poeta, tradutor e jornalista argentino, que completaria 84 anos neste 3 de maio.  Desde  1976,  quando deixou seu país natal para  nunca mais voltar,  Gelman vivia no México.  A ditadura argentina (1976-1983) sequestrou seu filho e  sua nora, então grávida.   Diz-se que Gelman sempre manteve a esperança de conhecer a  neta – que,  ao contrário dos pais,  encontrava-se viva –,  e empreendeu inúmeros esforços para encontrá-la,  esforços estes  que mobilizaram intelectuais pelo mundo, a exemplo de Eduardo Galeano e José Saramago.  Em 2000 finalmente Gelman  a encontrou e a contactou; ao nascer, ela  havia sido entregue – num procedimento monstruosamente comum no contexto daquela ditadura – pelos militares argentinos a um casal uruguaio, que a criara.

       Em “El País”, Juan Cruz escreveu quando de sua morte: “Em abril do ano passado, quando publicou o seu livro Hoy, de prosa poética, explicou como se sentiu quando um dos assassinos de seu filho foi condenado. “Entre os culpados pelo assassinato do meu filho havia um general que foi condenado à prisão perpétua. Mas quando proferiram a sentença eu não senti nada. Nem ódio, nem alegria. E eu me perguntava o porquê, e isso me levou a escrever, para me perguntar o que tinha acontecido”. Nessa conversa, Gelman resumiu o seu descontentamento com o papa Francisco, a quem tinha apelado, quando o atual pontífice ainda era o bispo Bergoglio, para ajudar a encontrar seu filho. O bispo lhe disse que não podia fazer nada, “mas contou outra coisa à Justiça, contou que tinha feito esforços sem sucesso”.
      
        Na mesma matéria:  “Gelman ganhou os principais prêmios da literatura em língua espanhola: O Rulfo, o Reina Sofia de poesia, o Cervantes (2007). Para ele, a poesia era “uma forma de resistência”, mas esse compromisso civil não mudou sua maneira de ser um poeta. Hermético?, se perguntava. “Não, o que eu faço é respeitar o leitor, obrigá-lo a ler por dentro”. No Ateneu de Madri, em um de seus recitais tumultuados, sete anos após a descoberta de sua neta, ele leu seu poema Pai de então (cf. original abaixo)como se suas mãos, seus olhos e ele todo fossem tremer. “Assim que voltaste / como se não tivesse acontecido nada / como se o campo de concentração não / como se há vinte e três anos / que não escuto tua voz nem te vejo / devolveram o urso verde tu / sobretudo longuíssimo e eu / pai de então / voltamos à tua presença incessante / nestes ferros que nunca terminam / nunca acabarão? Já nunca acabarás de cessar / voltas e voltas / e tenho que te explicar que estás morto”. A ovação dolorida das pessoas foi a confirmação de que o público e o poeta se leram por dentro.

       Essa foi a história de sua vida: o filho morto, a nora morta, o desaparecimento da neta que deixou feridas. Tudo isso continuava vivo em seu olhar, como nesses versos pai de então. Foi comunista, jornalista e resistente, e a sombra desta história não lhe permitiu esquecer jamais essa militância contra o esquecimento.
 
 

 
PADRE DE ENTONCES
“Así que has vuelto
como si hubiera pasado nada
como si el campo de concentración no
como si hace veintitrés años
que no escucho tu voz ni te veo
han vuelto el oso verde tú
sobre todo larguísimo y yo
padre de entonces
hemos vuelto a tu hijar incesante
en estos hierros que nunca terminan
¿Ya nunca cesarán?
ya nunca cesarás de cesar
vuelves y vuelves
y te tengo que explicar que estás muerto”.
 
Links desta postagem:
 
http://astripasdoverso.blogspot.com.br/search/label/JUAN%20GELMAN  (Blog de Adriano Nunes)

http://totodenadie.blogspot.com.br/search/label/Juan%20Gelman (Blog de Triunfo Arciniegas)

quarta-feira, 3 de abril de 2013

ADRIANO NUNES DUAS VEZES

O GATO
Para Ferreira Gullar

Vive o gato de ver
O  novelo a envolvê-lo,
Pata, dente, unha, pelo,
Aos pulos, num pulôver.

Vinga o gato: miado
Alto, salto mortal
Do sofá pro quintal,
Atrás de rato, alado

Feito pássaro.  Vive
O gato pelo teto,
Todo solto, inquieto,
Bicho sem nicho, livre.

Sem rumo, pelos muros
Equilibra-se.  Atento,
Eriça-se – Rebento
Dos agouros obscuros

Da crença.  Pinta o sete:
Que encrenca! Rouba a cena
Nessa lida pequena.
As vidas? São só sete!

ilustração Talarico
UM EU QUALQUER
            Para Antonio Cícero

dentro da gente
há muitos, tantos,
que o pensamento
pode sequer
bem calcular.

o que se sente,
quem sente? canto-os
e assim me invento,
um eu qualquer,
sem rumo ou lar.

dentro da gente
há vários... quantos?
neste momento,
um outro quer
se revelar.


Laringes de grafite.  Porto Alegre: Vidráguas, 2012.