segunda-feira, 30 de abril de 2018

POEMA DOS FINS


(DILUÍDO DE AUGUSTO DE CAMPOS)
                                     

                              para Rosemary Granja


Diante do fim sempre a pergunta:
Com que fim
resvala o corpo ao ermo?

Silenciosos sós como pós
nós nos
vivemos na orla do cosmos

Por muitos átimos
intermitentes
vazios  entre orgasmos

habitamos - e nos olhamos
nas cismas
de almas a esmo

Os que aqui ficamos
nos abraçamos
como um fim em si mesmo.


Foto: Carolina Bezerra

segunda-feira, 9 de abril de 2018

CINCO POEMAS DE EDSON PEREIRA S.: marEmoto


Construí-los de água e sal
Dar-lhes movimentos de marés
Cores de oceano
E navegá-los

Cometer naufrágios
Dando-lhes mistérios

Construí-los com melodia de marulho
E silêncio abissal
Calcareamente brancos
Como coração de concha

Povoar de espécies
Plâncton, nécton, bentos

Construí-los reto horizonte
E deixar-los ir
Vela, vento
Asa

Linha, traço, rota
Solitude

2

Anoiteço
Sem estrelas, sem lua
Noite apenas

Navego
Escuro, só
Negras vagas

Até onde possa
Aportar
Manhã


3

Que saudade do trem
Trenzinho
Leopoldina
Caipira

Levava a gente
A Nictherói
Seis horas de viagem
Ansiedade e pó

Na partida
A despedida
Lenço branco de cambraia
De interior

Porto do Carro
Campo Redondo
Adeus ainda
Na nossa cabeça

Araruama
Sampaio Correia
Trilho
Fumaça

Na estação
Cidade grande
Olhos grandes
De espanto

Cabo Frio ficou
No convento
Na ponte
No anjo caído

4


Reside o vento em mim
Como nas palmeiras
Há muito faz
É dono do emaranhado do meu cabelo
Há muito faz
Nordeste, sudoeste
Nas velas do pensamento

Mas sou comandante desse barco
Não discernisse o rumo
Seria naufrágio
Donde reside o vento
Donde resido vento

Linha do sol, sextante, compasso
Traço a rota
Caço a vela
Miro a proa
Nessas águas de vento


5
Quando veio o vento
Eram noturnos e
Ébrios
Dançavam boleros

E quando vieram
Os peixes da chuva
Suas bocas morriam
Em inverno e verão
Tempo e frenesi
De libélulas

Até que veio a manhã
E fez deles
Uma rosa estiagem
De outono






        Sera lançado nesta terça-feira, dia 10 de abril, o livro de poemas de Edson Pereira S., para o qual tive a honra de ser convidado a escrever a orelha de apresentação, que posto a seguir:

Mar substantivo
         A escrita em marEmoto distingue-se de saída pela sobriedade, pela  inênfase da voz poética: dicção elíptica,  poucos adjetivos que, quando presentes, é como se quisessem passar despercebidos: via de regra, designam pouco mais que  a cor ou são apenas fantasmagoricamente visíveis em locuções adjetivas (“latitudes de auroras/longitudes de poentes”), ou ainda “disfarçados” em advérbios,  a qualidade rarefazendo-se em circunstância: “naufragarei navio”. Quando brilham em inventividade são ótimos achados de substantivos em função adjetiva, no que a antiga retórica cataloga como enálages: “amor nave”/”cabelos Atlânticos”.   Porque o que prevalece aqui é a concretude,  são os nomes que, frequentemente remetendo ao mar,  designam o  horizonte do todo, mais do que sua ambientação; em especial na segunda parte do volume os verbos deixam claro a que vieram,  respondendo pelo  efetivo movimento designado no título por “moto”, imagem axial  a comandar em  boa medida os principais efeitos da leitura do livro: veja-se, por exemplo, como  a ideia de estabilidade, de fundamento presente,  num dos melhores poemas do livro,  no correlato “residência”,   assim se resolve no  seu contrário : “Reside o vento em mim/Como nas palmeiras/Há muito faz/(...) Donde reside o vento/Donde resido vento”. Observe-se que não é “onde”, é “donde”, com uma implícita sugestão não da plácida ideia da estabilidade do morar, mas de ser proveniente de algum lugar, ou seja, habitar (n)a mudança, como a dizer que é tudo movente, de modo tal  que  os próprios significados de águas e de vento entram na íntima relação de aproximação amorosa, o  que é uma das pedras de toque de toda boa poesia: “Nessas águas de vento”.  Em marEmoto o horizonte é o movimento. Do mar à terra,  daí às anotações da vida social na terceira parte do volume, quando, nos últimos poemas,  o acidental parece atingir a própria dimensão gráfica dos textos. Poética da concretude que parte do mar e dele e nele lança suas redes: Pancetti e Caymmi sempre souberam da substantiva  inextricabilidade de mar e movimento.”





          Amigo de longa data que sou do autor, deixo que ele mesmo se apresente, tal como está em marEmoto:

Edson Pereira da Silva assina aqui Edson Pereira S. para não incomodar soletrando tanto alemão da primeira versão (ou seria judeu, digo, novo cristão?). Nascido em Cabo Frio, onde foi criado, sua terra virou quimera (em todos os maus sentidos). Hoje exilado em Niterói, está longe um oceano donde viveu sete anos e lhe trouxe de volta um avião, embora a alma ainda nade em indecisas águas. E a poesia? Como diria Mário de Andrade:

Todo escritor acredita na valia do que escreve
Si mostra é por vaidade
Si não mostra
É por vaidade também.

Resolvida, então, esta questão (?). Quanto às musas, estão todas implícitas, quanto às crenças, estão todas explícitas e não se fala mais nisso. Não tem celular, navega mal na internet (tantos naufrágios...), mas tem e-mail para correspondência (gbmedson@vm.uff.br) embora seja preciso um pouco de paciência, se a pessoa desejar, realmente, uma resposta. Todos os poemas daqui são antigos, como já está ficando ele mesmo.


Edson Pereira da Silva. marEmoto.  Rio de Janeiro: Editora Texto Território, 2018.