sexta-feira, 24 de maio de 2024

CANÇÃO SEM VELÓRIO


 

CANÇÃO SEM VELÓRIO
 
Tanto faz onde me enterrem
a água vai levar tudo
as cinzas, se me cremarem
tomarão rumo de esgoto
engarrafando o emissário
 
ou chegarei lá nas Cagarras
ou qualquer outro arquipélago
agregado a mil dejetos
cumprindo a fatalidade
deste tempo em mim inscrita.
 
Deste tempo em mim inscrito
a água vai levar tudo
cravejado de adesivos
QR codes, códigos
indícios de assassinatos
 
tempos idos e vividos
encharcados e afogados
chegarão lá nas Cagarras
tudo imenso arquipélago
no pélago das mandíbulas
 
de assassinos  planetários
cumprindo a fatalidade
tanto faz onde me enterrem
melhor que me deixem à tona
em cardume de podridos
 
descurado do planeta
negligente do universo
trânsfuga de igrejas
desertor de falsos deuses
tanto que me empenhei
 
pra água me colher cedo
liquefazer remotos ossos
revestidos de adiposes
de carvão fóssil derivados
povoado de adjetivos.
 
De toda matéria extinta
o amálgama se incompleta
a água levará tudo
tanto faz que não me enterrem
tanto tempo acreditamos
 
em rituais benfazejos
encomendas a divindades
ritos de passagem tolos
magias do insondável
luto a ser respeitado
 
e tudo era só um lixão
retratos assinaturas
eletrodomésticos joias
documentos em braile
conversas criptografadas
 
divindades de encomenda
enquanto também na torrente
a coroa mais cara enviada
saudades eternas inscritas 
 segue o périplo do nada.

 

quinta-feira, 16 de maio de 2024

CAVALHEIRO SÓ, Pablo Neruda


 

    É extraordinário este poema do chileno Pablo Neruda (1904-1973), pela capacidade de falar por um eu poético perverso, reprimido sexualmente, que se enxerga solitário, punido, cercado de demônios libertinos.  


CAVALHEIRO SÓ

 



PAES, José Paulo (sel. org. tradução e notas), Poesia erótica em tradução. São Paulo:

Companhia das letras, 1990.






sábado, 11 de maio de 2024

DIONISIO MORRE, Alberto Lins Caldas


 








Alberto Lins Caldas é pernambucano, com formação em Geografia e Arqueologia, professor aposentado da UFPE.   É autor de vasta obra, tanto na teoria quanto na narrativa ficcional (contos e romances).  Publicou os seguintes livros de poesia:  No Interior da Serpente (Pindorama, Recife, 1987), senhor krauze (Revan, Rio de Janeiro, 2009), Minos (Íbis Libris, Rio de Janeiro, 2011) e De Corpo Presente (Íbis Libris, Rio de Janeiro, 2013), 4x3 - Trílogo in Traduções (Ibis Libris, Rio de Janeiro, 2014,  com Tavinho Paes e João José de Melo Franco), a perversa migração das baleias azuis (Ibis Libris, Rio de Janeiro, 2015), a pequena metafisica dos babuinos de gibraltar (Ibis Libris, Rio de Janeiro, 2016), minha pessoa sob o dominio dos barbaros (Íbis Libris, Rio de Janeiro, 2018), tantalo (Flan deTal, Vila do Conde-Portugal, 2019) corpos de troia (Íbis Libris, Rio de Janeiro, 2021). Publicou ainda poemas em jornais, blogs e revistas como Coyote, Escamandro, Intempestiva, Eutomia, Continente Multicultural, Flanzine, Rascunho, Caliban, Gueto, Blecaute, Incomunidade, Ruído Manifesto, Cândido, Conexão Literatura, Germina, Quatetê, Pausa, Zona de Impacto, Caderno de Criação, Literatura e Fechadura, Zona da Palavra, Alagunas, Diversos Afins, Gratuita, Mallarmargens, Tlön, Vallejo and Company, Gazeta de Poesia Inedita, plaquetes pela Galileu Edições.   Participou ainda das antologias: Fandago, Simultâneos Pulsando: Uma antologia fescenina da poesia brasileira contemporânea, Poetas Siglo XXI, Pandemoinhos, Vinagre: uma antologia de poetas neobarracos, Escriptonita: Pop/Poesia, Mitologia-Remix & Super-Heróis de Gibi, Lula Livre*Lula Livro, Atlas da Literatura Digital Brasileira, Poesia Viva do Recife, 70 Poemas  para Adorno.

 

Para conhecimento de sua poesia, que a mim muito impressiona, eis o link:www.poemasalbertolinscaldas.blogspot.com.br


quinta-feira, 9 de maio de 2024

GRANDE DO SUL


 


GRANDE DO SUL

 

O rio volta a seu leito
 
na cozinha os utensílios
voltam a cada gancho
e prateleiras
assim os livros no mesmo instante
os filamentos da lâmpada um a um
luz
gotejam como a água em cada bica
a viúva é ex-viúva
o viúvo é ex-viúvo
no 3 x 4 a identidade
recupera a dignidade
na escola de novo pintada
a uva viu Ivo
a partida é retomada
no ovo do 0 a 0
o gato volta a seu peixe
o peixe volta a seu rio
 

o pesadelo é acordar.


 


quarta-feira, 1 de maio de 2024

PRIMEIRO DE MAIO

 



PRIMEIRO DE MAIO
 
 
Vão pelo acostamento
quando há acostamento
pela calçada quando há
calçada
 
as portas metálicas ao lado uma da outra
baixadas
da oficina
da venda
do mercado
dos escritórios das repartições do cartório
 
as ruas se colorem desde cedo
de gatos pingados
pais mães crianças
gastos
pingados
tivessem trazido consigo os dentes
talvez fosse dia de festa
mas não haveria o que comer nem como
na rua
 
os caminhões passam e nem um sequer tomba
para o saque
 
na rua
vendedores ambulantes parecem esquecidos junto a velhas peças de museu
 
ficaram os dentes em casa
quando há dentes
quando há o que comer

quando há casa.