sexta-feira, 6 de abril de 2012

AH, UM SONETO... DE MÁRIO DE ANDRADE

QUARENTA ANOS (27-XII-33)

A vida é para mim, está se vendo
Uma felicidade sem repouso;
Eu nem sei mais si gozo, pois que o gozo
Só pode ser medido em se sofrendo.

Bem sei que tudo é engano, mas sabendo
Disso, persisto em me enganar... eu ouso
Dizer que a vida foi o bem precioso
Que eu adorei.  Foi meu pecado... Horrendo

Seria, agora que a velhice avança,
Que me sinto completo e além da sorte,
Me agarrar a esta vida fementida.

Vou fazer do meu fim minha esperança,
Oh sono, vem!... Que eu quero amar a morte
Com o mesmo engano com que amei a vida.

            In: Poesias completas.

Explicando esse título de seção:         Este blog tem mais ou menos um ano e meio de existência e logo no começo resolvi fazer uma seção especialmente dedicada à públicação de sonetos.  Então redigi esta nota que vai aí abaixo, e que acho oportuno republicar.


        O soneto, como forma poética, está para mim sintetizado nesse belo título que Álvaro de Campos achou para o seu.  Provavelmente a forma mais praticada de poesia ocidental, o soneto só é rígido em mãos inábeis ou apenas esforçadas em consegui-lo: os grandes poetas fazem com que seu sentido mais profundo de forma fixa se movimente imageticamente em bilhões de combinações rítmicas, fônicas, lexicais e mesmo métricas, que a aparente rigidez formal antes ressalta do que escamoteia quando lemos um grande soneto; e só aparentemente é uma forma breve: os grandes sonetos duram enquanto vivemos e os recordamos e gostamos de percorrer, galgar, escalar seus  versos até nos sentirmos à vontade para flanar por eles. Brevidade não implica ligeireza, superficialidade.
        Essa junção de enganosa previsibilidade poética e permanente surpresa me leva sempre a dizer, reverberando Campos, “Ah, um soneto...”
        Vou postar aqui, sob essa rubrica, alguns sonetos de minha profunda admiração. 

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