VII
1.
Volta
volteia Sulamita
volta volteia e nós te estaremos contemplando
Na Sulamita o que tanto contemplais?
é vê-la enquanto dança a dança-dos-campos rivais
2.
Como teus pés são belos nas sandálias
filha de príncipes
O redondo de tuas coxas como as curvas de um adorno
obra do torno de um artífice
3.
Teu umbigo
uma taça de lua
fina mistura de vinho nunca lhe faltará
Teu ventre um acúmulo de trigo
emoldurado de rosas
4. Teus dois peitos como dois filhotes
gêmeos
de uma corça
5.
Teu
pescoço uma torre de marfim
Teus olhos piscinas em Hesebon
junto ao portal de Bad-Rabim
teu nariz qual a torre do Líbano
mirando em direção a Damasco
6.
Tua
cabeça sobre ti como o cimo do Carmelo
e as ondas de tua cabeça como púrpura
Um rei se encadeia em tuas tranças
7.
Como
és bela como és doce
amor em tuas delícias
8.
Esse
teu porte como o da palmeira
E teus peitos iguais a cachos
9.
Eu
disse subirei à palmeira
apanharei suas ramas
E teus peitos sei que serão como cachos de videira
e o perfume de tuas narinas como o aroma das maçãs
10. E o céu de tua boca como um vinho escolhido
escorre
para o amigo suave em seu fluir
Entreabre os lábios que estão dormindo
11. Eu sou do meu amigo
e sobre mim seu desejo
12. Vem meu amado iremos campo afora
à noite dormiremos em canteiros de cipros
13. Iremos de manhã aos vinhedos
veremos se a vinha floriu
se estão abertos os botões
se os pés de romã já estão em flor
Lá
te darei meu dulçor
14. As mandrágoras difundem seu perfume
a nossas portas todas as delícias
primícias e frutas maduras
Meu amigo escondi-as para ti
Haroldo
de Campos. Éden – um tríptico bíblico.
Perspectiva, 2004.
Haroldo de Campos em sua "bibliocasa" em foto de German Lorca |
A extraordinária
trajetória de Haroldo de Campos (1929-2003) como poeta, teórico, pensador e tradutor incluiu as transcriações
(termo que ele preferia a “traduções”, tendo desenvolvido toda uma cerrada
teoria a respeito) que fez de livros bíblicos, a saber Qohélet, O-que-sabe (Eclesiastes) e Bere’shit: A Cena da Origem, lançadas respectivamente em 1990 e
2001. Em 2004, portanto já postumamente,
a Perspectiva lançou o volume Éden – Um tríptico bíblico, incluindo
duas cenas do Gênesis (”A astúcia da Serpente” e “Babel”) e “O Cântico dos Cânticos”.
A lacuna
aqui desta postagem fica por conta da ausência dos sinais de convenção
utilizados por Haroldo nas transcriações bíblicas, sinais estes que são
disjuntivos, indicam pausas, maiores e menores, cesuras, cortes de
hemistíquios. No Word, com que trabalho,
não tenho como lançar mão dos símbolos correspondentes. Arranjei um jeito muito sem-vergonha que foi
dar um espaçamento maior (variável) onde Haroldo empregou os sinais. Creio que para o bom leitor de poesia, isto
é, aquele que sabe sempre da importância da sonoridade (o que inclui o respeito
aos silêncios, claros e pausas) para o texto poético, a ausência de tais sinais
pode ser suprimida pela aplicação séria de sua sensibilidade no ato de ler.