sexta-feira, 28 de setembro de 2012

AL BERTO



VISITA-ME ENQUANTO NÃO ENVELHEÇO


visita-me enquanto não envelheço
toma estas palavras cheias de medo e surpreende-me
com teu rosto de Modigliani suicidado
.
tenho uma varanda ampla cheia de malvas
e o marulhar das noites povoadas de peixes voadores
vem
.
ver-me antes que a bruma contamine os alicerces
as pedras nacaradas deste vulcão a lava do desejo
subindo à boca sulfurosa dos espelhos
vem
.
antes que desperte em mim o grito
dalguma terna Jeanne Hébuterne a paixão
derrama-se quando tua ausência se prende às veias
prontas a esvaziarem-se do rubro ouro
.




perco-te no sono das marítimas paisagens
estas feridas de barro e quartzo
os olhos escancarados para a infindável água
vem.
com teu sabor de açúcar queimado em redor da noite
sonhar perto do coração que não sabe como tocar-te
                                    Al Berto, in 'Salsugem'..O Medo. Lisboa: Assíro & Alvim, 1998. toma estas palavras cheias de medo e surpreende-me
com teu rosto de Modigliani suicidado
tenho uma varanda ampla cheia de malvas
e o marulhar das noites povoadas de peixes voad
vem
ver-me antes que a bruma contamine os alicerces
as pedras nacaradas deste vulcão a lava do desejo
subindo à boca sulfurosa dos espelhos
vem
antes que desperte em mim o grito
de alguma terna Jeanne Hébuterne a paixão
derrama-se quando tua ausência se prende às veias
prontas a esvaziarem-se do rubro ouro
perco-te no sono das marítimas paisagens
estas feridas de barro e quartzo
os olhos escancarados para a infindável água
vem
com teu sabor de açúcar queimado em redor da noite
sonhar perto do coração que não sabe como tocar-te

domingo, 23 de setembro de 2012

Outros valores, além do frenesi de consumo - entrevista de Eduardo Viveiros de Castro

         O antropólogo Eduardo Viveiros de Castro concedeu uma extensa e, no meu entender, muito lúcida entrevista ao site "Outras palavras - Comunicação compartilhada e pós-capitalismo - EM MUDANÇAS!"
         Tomei conhecimento da entrevista no Facebook e, pela relevância do que ali é dito, posto-a aqui para os leitores. 
          Hoje é domingo, dia bom para atravessar esta teia de argumentos e dados levantados pela brilhante exposição do pensamento do entrevistado. Boa leitura!


Outros valores, além do frenesi de consumo

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Mais um de A TAL CHAMA O TAL FOGO



VÉSPERA

e como eu lambesse a cria
a cada passo do caminho
parece que das coisas ficava
cada vez menos vestígio

a sombra de morto desejo
em parede repentina
tornada risco futuro
e logo rasurada a frio

o olho que, percebi, foi indo
a cada passo sozinho
distante do corpo resto
que a distância parecia

fazer menção de segui-lo.
e nada. muito tropeço
por vir, muito novelo, muito
amargo qui nem jiló

a cada passo do caminho.

parece que é fictício esse
jeito de ir tocando, parece
que alguma porta, de cara
para a aurora me espera.

parece. de mim para mim
pergunto, entre penugem de coxas,
vencido o atrito do brim
na pele da boa amiga.

que desafio o tédio
no seu silêncio espreita?
como prosseguir, invento
a pergunta em bom cinismo

que é só um modo de fala

(as pessoas, duas a duas,
não fazem mais do que sala

não querem mais nada a não
ser que a luz se apague
e se resfoleguem nuas
saudosas de habitarem

ilhas que durem apenas
a firme poesia da carne).

por que resisti à sedução
e fiquei por aqui? lambendo
palavras que nem escrevi.
nem chega a suicídio

nem cheira à combustão
do que neguei à escrita
e não queima, como queima
esta casa, sim, esta cara

a dispersão da vida
água de espanto feita
queimada de matéria fruto
não-palpável de pouca

crença. creio que é queimar
o mudomonstrengo que pesa
e em sua queda me cria
cria de no entanto nada.

           

              A tal chama o tal fogo, meu primeiro livro, saiu em 2008, mas reunia poemas escritos em sua maioria na década de 1980.  Os mais novos eram textos escritos em 1989, como este postado acima.  Para sua publicação em livro eu fiz algumas alterações de acabamento em relação ao texto de praticamente vinte anos antes. 

Roberto Bozzetti.  A tal chama o tal fogo.  Oficina Raquel, 2008.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

EPITÁFIO: COMO SE PENSA




Tudo o que ouviu e não precisava.
Tudo que falou e teria sido mais inteligente que
não.
Todos os vexames que poderia não ter dado.
Tudo.  Quer dizer, nada.


In:  Roberto Bozzetti. Firma irreconhecível. Oficina Raquel, 2009.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

TRÊS POEMAS DE OSWALDO MARTINS



pedagogia dos imbecis

as crianças brincam
de teatrinho

encenam para as mamães
que aplaudem

futuras
donas de casa


de “Cartolografia”

um chaplin descalço
passa ao largo

de mangueira

a vagabunda cartola
canta feridas

na ribalta


de “Antimetafísica das apreciações”

quando quadros e livros
bucetas são

não são bucetas que se levam
aos livros e quadros

senão que quadros e livros
buscam

o que de buceta
são



Oswaldo Martins.  Cosmologia do impreciso.  7Letras, 2008.
 


A poesia de Oswaldo Martins está também em seu blog:  http://osmarti.blogspot.com.br/