domingo, 17 de fevereiro de 2013

ROBERTO PIVA

O VOLUME DO GRITO

Eu sonhei que era um Serafim e as putas de São Paulo avançavam na densidade exasperante
estátuas com conjuntivite olham-me fraternalmente
defuntos acesos tagarelam mansamente ao pé de um cartão de visitas
bacharéis praticam sexo com liquidificadores como os pederastas cuja santidade confunde os zombeteiros
terraços ornados com samambaias e suicídios onde também as confissões mágicas podem causar paixões de tal gênero
relógios podres turbinas invisíveis burocracia de cinza cérebros blindados alambiques cegos viadutos demoníacos
          capitais fora do Tempo e do Espaço e uma Sociedade Anônima
          regendo a ilusão da perfeita Bondade
os gramofones dançam no cais
o Espírito Puro vomita um aplauso antiaéreo
o Homem Aritmético conta em voz alta os minutos que nos faltam contemplando a bomba atômica como se fosse seu espelho
encontro com Lorca num hospital da Lapa
a Virgem assassinada num bordel
estaleiros com coqueluche espetando banderillas no meu Tabu
eu bebia chá com pervitin para que todos apertassem minha mão elétrica
as nuvens coçavam os bigodes enquanto masturbavas colérico sobre o cadáver ainda quente de tua filha menor
a lua tem violentas hemoptises no céu de nitrato
Deus suicidou-se com uma navalha espanhola
                             os braços caem
                             os olhos caem
                             os sexos caem
       Jubileu da Morte
ó rosas ó arcanjos ó loucura apoderando-se do luto azul suspenso na minha voz


Roberto Piva. Antologia poética.  L&PM, 1985.

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