domingo, 30 de junho de 2013

AH, UM SONETO... DE RUY ESPINHEIRA FILHO


SONETO DA CHUVA E DA VOZ

            a Miguel Sanchez Neto

 

Desde que despertei está chovendo.
Aliás, desde antes, pois, ainda dormindo,
claramente escutei chuva caindo
longe, por trás de um sonho: meu pai lendo,

para mim, Hora Absurda; ainda estou vendo
seu rosto em luz antiga.  Quase findo
é o dia, agora, e a chuva caindo, caindo...
E em minha alma meu pai ainda está lendo.

Não é, como no poema, um ouro baço
que chove aqui: é só água do outono
que o calendário traz nos fins de março.

E a voz prossegue.  E, num sonho sem sono,
me consola de mim nesse cansaço
de outonos falsos, sombras, abandono.

 

In: Estação infinita e outras estações (Poesia reunida). Bertrand Brasil, 2012.

 


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