O GRANDE URINADOR
O grande
urinador era amarelo
e o jorro
que caiu
era uma
chuva de bronze
sobre as
cúpulas das igrejas,
sobre os
tetos dos automóveis,
sobre as
fábricas e os cemitérios,
sobre a
multidão e seus jardins.
Quem era e
onde estava?
Era uma
densidade, líquido espesso
o que caía
como de um cavalo
e
assustados transeuntes
sem
guarda-chuvas
interrogavam
o céu
enquanto as
avenidas se alagavam
e por
debaixo de suas portas
entravam as
urinas incansáveis
que iam
enchendo açudes,
corrompendo
pisos de mármore,
tapetes e
escadas.
O que quer
dizer isto?
Sou um
simples e pálido poeta
e não vim
para decifrar enigmas
nem propor
guarda-chuvas especiais.
Até logo!
Saúdo e me retiro
para um
país onde não me façam perguntas.
Tradução de Olga Savary
In:O Pasquim n. 300.
29/03 a 04/04/1975
Folheando
aqui uns exemplares do legendário jornal carioca O PASQUIM, primeira grande
trincheira sistemática de resistência na
imprensa ao período mais negro da ditadura instaurada com o golpe de 64,
deparo-me, em seu número 300, com uma
matéria de Moacyr Werneck de Castro, falando de sua convivência com Pablo Neruda.
A matéria traz ainda esse poema que aqui posto, com a anotação de que
seria um dos dois últimos poemas escritos por ele.. Não consegui localizar o original em
espanhol, para postá-lo aqui junto com a tradução, como costumo fazer.
Bom me
deparar com este poeta em meio às tantas páginas amareladas desses não muitos
números do PASQUIM que tenho comigo encadernados. Bom por vários motivos, entre eles o de
lembrar, nesses dias em que as rememorações do funesto período de ditadura
encontram-se à flor da pele, assim como timidamente se renovam as nossas
esperanças cívicas quase vãs de que efetivamente se punam aqueles que tanto
violaram as prerrogativas básicas da vida democrática e civilizada, lembrar o
nome de um poeta de tão alta poesia e de exemplar presença contra os desmandos
da terrivelmente assassina instaurada em sua pátria, o Chile, num golpe de
estado poucos dias antes de sua morte – cujas circunstâncias, aliás, integram
um processo de revisão pela justiça daquele país, uma vez que crescem os
indícios de que Neruda – que era amigo
pessoal de Salvador Allende, o presidente socialista deposto e assassinado no
golpe – tenha sido ele próprio também de fato assassinado pela ditadura de
Pinochet, e não morrido por conta de um câncer na próstata, como sustentava a
versão oficial.