quarta-feira, 2 de abril de 2014

FONTOURA XAVIER


CARVALHO JUNIOR

 

Um instante, coveiro! o morto é meu amigo,
E como vês cheguei para dizer-lhe adeus;
Depois podes levá-Io, a Satanás, contigo,
Que sei que não pretende a salvação de Deus.

Eu descuidei-me, sim; nós dávamo-nos muito
Há meses abracei-o e nunca mais o vi...
Alguém, quem quer que seja! aproveitou o intuito,
Matou-o em minha ausência e trouxe-o para aqui.

Vim despedir-me dele... (Escuta-me, primeiro.
Tu deves conhecer os mortos que aqui somes;
Muitas vêzes Hamleto - a dúvida, coveiro,
Visita este lugar interrogando nomes.

Estuda esta cabeça, o príncipe há de vê-Ia;
Repara bem, é loura, esplêndida, à Van-Dick!
Pois bem, gasta a mortalha, então roída a tela,
Não tomes Baudelaire por um jogral - Yorick!)

Vim despedir-me, pois! A morte já começa
A martelar caixões na porta dos ateus!...
Sentido, batalhões! caiu uma cabeça...
Que importa uma vitória às legiões de Deus?...

 

 

Fontoura Xavier.  Opalas (edição definitiva,muito aumentada). Lisboa: Livraria Editora Viúva Tavares Cardoso, 1905.


          A respeito desse poema, Antonio Candido em seu ensaio “Os primeiros baudelairianos” observa que Fontoura Xavier “em 1879  recitou no enterro  de Carvalho Júnior um poema cheio de audácia satanista e ateísmo (admirado e traduzido por Rubén Darío), (...) cujo efeito se pode imaginar, naquela circunstância e naquele meio provinciano.”  (in: A educação pela noite.  Ática, 1987)



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