domingo, 5 de abril de 2015

JORGE MONTEALEGRE


OSSOS


O único que nos resta
é o vento

o único que deixamos
é o vento

o vento passa pelo osso oco
- schhhh
é isso que passa
silêncio  / de terra

silêncios do Chê desenterrado
A notícia relâmpago se grava no vento
os caçadores / injetam formol em seu cadáver / exibem a presa para a imprensa
executam outra vez em chamas
ssem botas / sem meias  / sem caminho
um troféu descalço para a lembrança
Os últimos flashes retumbam em sua pálida couraça

Em resumo / escarnecido
retrato
de um cristo qualquer

sem sombras / à sombra / do relâmpago
a cena mortal se imortaliza


(...)

-----------------------------------------------------------------------------------

Luminoso no pôster da adolescente / que segue sonhando contigo e com teus
sonhos
e sonha
com voltar a ter quinze anos


entre seus badulaques o guarda veterano / como osso santo / um fiapo
verde-oliva
o girão  /  de uma bandeira

a lembrança /  de uma praia
com suas cores / de beijos
e de luto

Não faltou quem tomasse os velhos fuzis
nem quem
os vendesse no mercado das pulgas

Tudo foi corrompido no caminho de caracol que cruza este poema

o homem novo é um osso enterrado

sobrevive o osso

não há lealdade maior nem tão calada.

A sombra
fica com seu osso

 um osso deixa de ser / somente um osso
quando sabemos / que o batizaram
que esteve em nosso mesmo sendeiro
apaixonado / com dores nos ossos

onde estão os camaradas?
cantam/ e quando cantam parece que estão sós

sonâmbulos e lúcidos te seguiram em sonho
convencidos / vencidos / convertidos
em abono  / da terra
o famoso
paraíso
do hino / que cantaram  / de pé  / os escravos sem pão

(...)

um vento velho despenteia tua cabeleira
é uma lembrança
caveira calva cavilando

ria
mostra esses dentes que distinguem tua história na ossatura
amplo é o riso do aparecido
gargalhada eterna
muda morte sem hálito

e segue sendo doce tua mirada de osso


(...)

pôster / póstero
portada / ícone pop / bugiganga
filme / souvenir de gauche / mercadoria
pôster / póstero
livro de poesia

 (...)

 todos ao ar com teus ossos exumados
                   pela noite
repetida no verso  /  da fossa infinita

        uma fossa comum cheia de enes:

Ninguém                                              Ninguém
Noite                                                   Noite
Nunca                                                 Nunca

            a dupla negação te ressuscita.

                                                   
                                                  Tradução de Antonio Miranda


Foto de Marc Hutten, reencontrada em 2014







HUESOS

Lo único que nos queda
es el viento

lo único que dejamos
es el viento

el viento pasa por el hueso hueco
-schhhhh
eso es lo que pasa
silencio   /  de tierra

silencios del Che desenterrado

La noticia relámpago se graba en el viento
los cazadores / inyectan formol a su cadáver / exhiben la presa ante la prensa
lo ejecutan de nuevo a fogonazos
ssin botas / sin calcetines / sin camino
un trofeo descalzo para el recuerdo
Los últimos flashes retumban en su pálido pellejo

En escorzo  /  escarnecido
retrato
de un cristo cualquiera

no hay sombras / a la sombra / del relámpago
la escena mortal se inmortaliza

 (...)

-----------------------------------------------------------------------------------


Luminoso en el poster de la quinceañera /  que sigue soñando contigo y con tus sueños
y sueña
con volver a tener quince años

entre sus cachivaches el veterano guarda /como hueso santo / una hilacha verdeoliva
el jirón / de una bandera

el recuerdo /  de una playa
con sus colores /  de besos
y de  luto

no faltó quien tomara los viejos fusiles
ni quien
los vendiera en el mercado de las pulgas

todo se corrompe en el camino del caracol que cruza este poema

el hombre nuevo es un hueso enterrado

sobrevive el hueso

no hay lealtad más grande ni tan callada.

La sombra
se queda con su hueso

un hueso deja de ser / sólo un hueso
cuando sabemos / que lo bautizaron
que estuvo en nuestra misma vereda
enamorado / con dolores de huesos

 ¿dónde están los camaradas?
cantan / y cuando cantan parece que están solos

sonámbulos y lúcidos te siguieron en el sueño
convencidos /  vencidos /  convertidos
en abono /  de la tierra
el famoso
paraíso
del himno / que cantaron  / de pié  /  los esclavos sin pan

(...)

un viento viejo despeina tu melena
es el recuerdo
calavera calva cavilando

riete
muestra esos dientes que distinguen tu historia en la huesera
amplia es la risa del aparecido
carcajada eterna
muda calaca sin respiro

y sigue siendo dulce tu mirada de hueso

(...)

afiche  /  fetiche
carátula  / ícono pop  /  chuchería
película  / souvenir de la gauche / mercadería
fetiche  /  afiche
libro de poesia

(...)
todos al aire con tus huesos exhumados
                        bajo la noche
repetida en el verso   /   de la fosa infinita

         una fosa común llena de NN:
Nadie                                               Nadie
Noche                                              Noche
Nunca                                              Nunca
         la doble negación te resucita.




         O poema de Montealegre bem como sua tradução foram colhidos no excelente blog de Antonio Miranda, que recomendo, acessado em 04/04/2015. 







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