Ilustração de Talarico |
CANTO DO MAL DE AMOR
Caminho
pela cidade
Sofrendo com mal-de-amor.
Senti que vinha... Seus braços
Era fatal me chamavam,
Parti... Cheio de vontade
E já não tenho vontade,
Percorro a noite, percorro
A noite com mal de amor...
É tarde já... Zero grau.
Hesito mais, indeciso...
Meus irmãos desaparecem
Nos corredores com luz
Donde saltam na calçada
Muitos palhaços de riso,
Até rio... Vaia o jazz.
Caminho pela cidade
Sofrendo com mal-de-amor
Sofrendo com mal-de-amor
Sofrendo com mal-de-amor
Sofrendo. A frase não pára
No meio: com mal-de-amor.
Ironia do contraste,
Militares linhas retas,
Praças claustros seculares
Nunca amaste! nunca amaste!
Névoa filha-de-Maria,
Névoa fria... vida fria...
Não vale a pena ficar
Torturando a minha carne
Com o cilício da esperança,
Arrasto gozos perdidos,
Vim buscar os corredores
Os corredores com luz,
E o eco desses braços nus
Resvalando no céu baixo,
Atordoando os meus ouvidos,
Corro cambaleio azoinam
Meu corpo corpos rangentes,
Estalidos de desejos,
Beijos, ecos estridentes
De braços nus me chamando,
Eu quero! eu quero... Seus braços
Teus abraços boca pele
Seios olhos seios dentes
Corro. O eco explode já perto
Muito, perto muito, forte,
Vejo perfume de fome
Muito forte, muito perto,
Agora... Ela me abre os braços
Viro a esquina, estendo os braços,
Meus abraços nos espaços.
Rua reta, rua reta,
Rua reta, que deserto!...
Os lampiões bem regulares
Com um só olho. São ciclopes.
São eunucos dum harém,
Odalisca, o lampeão pisca,
Não tem mais nada niguém...
O sino cai sobre mim.
São três horas já.... Percorro
A noite com mal de amor...
Pedaços de minha carne
Pelos punhais das esquinas
Vão ficando, vou caminho
Sigo... amor... Sei que não morro,
Vou sigo caminho... é tarde...
É mais adiante! Na esquina!...
Já sei que não é... Aquela
Janela sempre acordada,
É uma puta me chamando,
Dez milréis, mercadoria,
Alfândega, porto de Santos
Oceano atlântico, grande
Mar monótono monótono,
As ondas que vão e vêm,
Os cadáveres nos naufrágios
Serão jogados na areia...
E há praias muito bonitas
Com palmeiras guaranis...
As invenções de Alencar
Ficaram muito inferiores
A esses oásis das praias
Tão verdes, tão verdes, tão,
Tão horrível solidão!...
E o mar ondula e desmaia,
Depois me empurra é fatal
O mar me empurra pra areia
Sou atirado na praia
Das palmeiras, minha rua...
Minha rua das Palmeiras...
Vou sigo caminho.... Longe
Meu quarto... quarto vazio...
Um vago marulhar de ondas
Sai dos meus ouvidos... O eco
Morreu. Um marulhar de ondas...
A miragem se dispersa.
Os braços nem chamam mais...
Sangue da aurora... O padeiro
Passou.
Última esquina.
Perto
O olho frio do meu quarto...
Nem não tenho carne mais...
Carne mais... Sigo. Caminho...
Destroços de ossos batendo...
Triste triste do andarilho
Carregando para o quarto
Os lábios secos. Inúteis...
Sofrendo com mal-de-amor.
Senti que vinha... Seus braços
Era fatal me chamavam,
Parti... Cheio de vontade
E já não tenho vontade,
Percorro a noite, percorro
A noite com mal de amor...
É tarde já... Zero grau.
Hesito mais, indeciso...
Meus irmãos desaparecem
Nos corredores com luz
Donde saltam na calçada
Muitos palhaços de riso,
Até rio... Vaia o jazz.
Caminho pela cidade
Sofrendo com mal-de-amor
Sofrendo com mal-de-amor
Sofrendo com mal-de-amor
Sofrendo. A frase não pára
No meio: com mal-de-amor.
Ironia do contraste,
Militares linhas retas,
Praças claustros seculares
Nunca amaste! nunca amaste!
Névoa filha-de-Maria,
Névoa fria... vida fria...
Não vale a pena ficar
Torturando a minha carne
Com o cilício da esperança,
Arrasto gozos perdidos,
Vim buscar os corredores
Os corredores com luz,
E o eco desses braços nus
Resvalando no céu baixo,
Atordoando os meus ouvidos,
Corro cambaleio azoinam
Meu corpo corpos rangentes,
Estalidos de desejos,
Beijos, ecos estridentes
De braços nus me chamando,
Eu quero! eu quero... Seus braços
Teus abraços boca pele
Seios olhos seios dentes
Corro. O eco explode já perto
Muito, perto muito, forte,
Vejo perfume de fome
Muito forte, muito perto,
Agora... Ela me abre os braços
Viro a esquina, estendo os braços,
Meus abraços nos espaços.
Rua reta, rua reta,
Rua reta, que deserto!...
Os lampiões bem regulares
Com um só olho. São ciclopes.
São eunucos dum harém,
Odalisca, o lampeão pisca,
Não tem mais nada niguém...
O sino cai sobre mim.
São três horas já.... Percorro
A noite com mal de amor...
Pedaços de minha carne
Pelos punhais das esquinas
Vão ficando, vou caminho
Sigo... amor... Sei que não morro,
Vou sigo caminho... é tarde...
É mais adiante! Na esquina!...
Já sei que não é... Aquela
Janela sempre acordada,
É uma puta me chamando,
Dez milréis, mercadoria,
Alfândega, porto de Santos
Oceano atlântico, grande
Mar monótono monótono,
As ondas que vão e vêm,
Os cadáveres nos naufrágios
Serão jogados na areia...
E há praias muito bonitas
Com palmeiras guaranis...
As invenções de Alencar
Ficaram muito inferiores
A esses oásis das praias
Tão verdes, tão verdes, tão,
Tão horrível solidão!...
E o mar ondula e desmaia,
Depois me empurra é fatal
O mar me empurra pra areia
Sou atirado na praia
Das palmeiras, minha rua...
Minha rua das Palmeiras...
Vou sigo caminho.... Longe
Meu quarto... quarto vazio...
Um vago marulhar de ondas
Sai dos meus ouvidos... O eco
Morreu. Um marulhar de ondas...
A miragem se dispersa.
Os braços nem chamam mais...
Sangue da aurora... O padeiro
Passou.
Última esquina.
Perto
O olho frio do meu quarto...
Nem não tenho carne mais...
Carne mais... Sigo. Caminho...
Destroços de ossos batendo...
Triste triste do andarilho
Carregando para o quarto
Os lábios secos. Inúteis...
Mário
de Andrade. Poesias completas. 4 ed.
SP: Martins, 1974.