segunda-feira, 17 de abril de 2017

MADAME MALDADE VOLTA A ATACAR... POR ENQUANTO!




         E eis que de repente, sob a batuta do baterista Victor Bertrami, o grande cantor Renato Braz, o contrabaixista Alex Rocha e também o flautista e saxofonista Marcelo Martins se transformam em batedores de panelas e vão dar força na apresentação de “Madame Maldade”, samba com letra minha que tive a honra de ver musicada pelo amigo, parceiro e  supercompositor (supercancionista, diria Tatit) Fred Martins!  A performance aconteceu em outubro de 2015 no Teatro da UFF, nos dois concertos  que Fred – que mora atualmente em Lisboa e vem desenvolvendo de lá uma carreira das mais consistentes no cenário da canção brasileira – apresentou aqui,  com vistas à gravação de um DVD com uma suma de seu trabalho e algumas canções novas.
         Pois o DVD está pronto e lançado, A música é meu país, numa co-produção do Canal Brasil e Sete Sóis Produções Artísticas, um produto esmeradíssimo:  além da habitual competência de Fred como músico e arranjador, o time reúne uma nata de músicos, pessoal de primeiríssima linha, tendo ainda as participações especiais do canto de  Ney Matogrosso, Zélia Duncan, Livia Nestrovski (com a guitarra de Fred Ferreira), além do já citado Renato Braz.  Em gravações de estúdio feitas em  Lisboa e Santiago de Compostela há ainda as participações da portuguesa Cristina Águas e da caboverdeana Nancy Vieira.  Todos são intérpretes que já incorporaram canções do repertório de Fred aos seus próprios.   E o repertório de Fred... bem, a cada vez que aprontamos uma canção, eu e ele, sinto-me como que pedindo licença para pisar num terreno muito elevado, onde, no topo, se situa Marcelo Diniz, seu principal parceiro e grande poeta carioca, além de outros craques em adivinhar as palavras que ocultam em suas entranhas melodias ou em destas extrair as palavras para fora de seu “estado de dicionário”. Muito bons são também Manoel Gomes, Fred Girauta e Alexandre Lemos, além de um eventual Francisco Bosco ou outros mais eventuais ainda.  Me sinto sempre engrandecido ao ser aceito na confraria. 


         A personagem fala por si só. “Madame Maldade” nasceu, como se deduz facilmente, das manifestações antipetistas, antidilmistas e antilulistas que assomaram histericamente às janelas e varandas em especial dos bairros de classe média das grandes cidades do país, fazendo de fundo sonoro a quaisquer pronunciamentos, entrevistas ou programas do governo a partir de 2013, além de estridularem nas ridículas passeatas verdamarelas e merdavarelas que tomaram de assalto – um assalto permitido, com a complacência policial, afinal um assalto de “gente bem” – o cenário político entre nós desde então.  Fiz a letra pensando na melodia de um samba buliçoso, cheio de quebradas, como acabou sendo captado e soberbamente posto em canção por Fred.  Claro, minha melodia não é a que ficou – nem eu teria competência para isso, imagine – mas a letra indicava em suas pausas e fonemas algo que a indiciava.  Sem contar que, como é bom não apenas com acordes, notas e compassos, Fred também o é nos truques do jogo verbal – as poucas canções com letra própria que lançou o provam com sobras - , em alguns passos ele superou o que eu havia entregue escrito e achou caminhos mais bem resolvidos para a melodia que compôs: emendas melhores que o soneto.



Eis a letra como ficou:

"Madame Maldade chegou na janela
Do apartamento
Deu aquela inspecionada
Ali no movimento
Foi até bater  panela
Gritou palavrão

Madame Maldade ai que saudade que sente
Do tempo em que tinha
O maior respeito
Das empregadinhas
De uniforme engomado
Ostentando co’orgulho
O brasão do patrão

Madame Maldade hoje pensa consigo
Na grande injustiça
De ir se virando
Que nem no pão a lingüiça
E nunca mais Miami
Uma vez por mês
Enquanto em Inhaúma a Conceição folgada
Pega o celular
E com uma só ligada
Manda entregar
Lasanha
Picanha
Cerveja gelada  [costela no bafo]
E frango xadrez

Madame então se queixa
Não há nenhum respeito
Que já não se distingue  o avesso
E o direito
E que a  gente de bem descolada e distinta
Pode hoje em dia valer o mesmo que vale
Qualquer marginal

Vai dando faniquito
Não gosta nada disso
E diz que desde quando o elevador de serviço
Deixou de ser usado começou o enguiço
E todo mundo sobe pelo Social

Madame Maldade chegou na janela
Do apartamento
Deu aquela inspecionada
Ali no movimento
Foi até bater  panela
Gritou palavrão

Madame Maldade postou no feicebuque
Seu descontentamento
Vestiu verdeamarelo
Beijou o regimento
De tão descolada
Tirou até selfie
Com o capitão

Madame não duvida
Do jeito que anda a vida
Só vai ter delivery pra essa gente fedida
Pedir bolsa-família, clínico cubano
Madame nem morta
há de se conformar que é daí pra
pior

Madame não se entrega
Não quer dar de  bandeja
E guarda a sete chaves toda a prataria
Não pensa fazer nunca o que a tal Baronesa
Fez com a sopeira que deu pra avó
Do Benjor" 

         Duas coisinhas mais:  Marcelo Diniz, com muito humor, observou que se trata – talvez caso inédito! – de um “samba com nota de pé de página”, haja vista a referência um tanto cifrada à “avó do Benjor” que surge ao final.  As pessoas em geral perguntam que diabo é isso, o que faz com que a coisa termine meio em anticlímax.  Gosto do anticlímax e não vou contar aqui o que está escondido ali não.  Mas em tempos de Google é só dar uma buscada básica que se chega lá.

         Outra:  Madame Maldade  atuou ainda como colunista na página de humor Depobre News, no Facebook,capitaneada pelo amigo e ótimo poeta carioca André Sampaio.  Durante alguns poucos meses tive competência suficiente para incorporar o espírito de Madame e colaborar com a página, o que começou na semana da Páscoa de 2016, quando a coluna estreou.  E contei ainda com o fato de que o italiano Giovanni Boldini (1842-1931) também incorporou o espírito de Madame e a retratou, com quase um século de antecedência (cf. ilustração).   E pra encerrar pinço lá na página e posto aqui uma “boutade” (oh palavrinha para homenageá-la!) de Madame há um ano, quando ela comemorava a sessão da Câmara que votou pelo impeachment da presidente legitimamente eleita e deu início ao golpe em curso no país: “Pela minha sopeira de Limoges... eu voto SIM! (...) Agora é botar o país de novo nos eixos, não é mesmo, gente? Não vamos perder o foco. A começar pela educação. Mas uma educação que não fique querendo convencer as crianças de que a vocação delas é o gayzismo, que todos devem se esforçar só pra ganhar bolsa-família e passar a vida sem trabalhar, de que não devem temer a Deus, que a gentalha deve ter privilégios... essas coisas que a cartilha lulopetista quis impingir nos nossos jovens! Muita moral e cívica, isso sim! Quem sabe, não podemos inclusive retomar as diretrizes eugenistas que tanta falta nos fazem? Afinal, já sabia o Conde Gobineau, à sombra fresca das mangueiras erguidas , em suas promenades com Pedro II (que, aliás, virou um colégio infestado de esquerdistas!) que esse excesso de democracia de que padecemos é fruto último da miscigenação... mas quem lê Gobineau hoje em dia? Seria ótimo, pra começar."


         

        Em face dos últimos, penúltimos e antepenúltimos acontecimentos... bem,  parece que  Madame Maldade levou essa... está vitoriosa.  Mas na verdade tudo indica que não vai nem desfrutar muito os frutos fedidos de sua vitória não.  A ver.  Pode ser que ela retorne ainda, quem sabe, para reiterar suas queixas numa outra canção.