quarta-feira, 3 de agosto de 2011

DE SABIÁS, MARIPOSAS E OUTROS INSETOS

          A classificação entomológica pouco ortodoxa aí do título vai em homenagem a Seu Antonio do Brejo, antigo morador destas paragens, morto há muito, que uma vez –  eu era moleque ainda – louvando a “imundície de terras” do sitiante Mané Bento (isso tá parecendo caipira fake, mas juro que não só os nomes mas também o “causo” é verdade) disse “Lá ele tem de um tudo, tem porco, boi, vaca, cavalo e outros aninsetos...” Na época não me ocorreu que, à maneira de Rosa, Seu Antonio poderia estar adicionando o prefixo de negação para indicar que se tratava de não-insetos.  Pensando bem, ainda bem que eu não tinha lido Guimarães Rosa ainda.  Nem Seu Antonio o lera jamais. O fato é que Seu Antonio passou a ficar conhecido por mim como Seu Aniceto.
            Pulo fora do causo pra umas anotaçõezinhas despretensiosas, que divido aqui com a paciência do leitor.  É que depois de uma estação fria  como há muito não fazia por estas bandas, aprendi duas maneiras de identificar que o frio maior já passou (infelizmente para mim) e já já começará pra valer a despedida do inverno.  É quando os sabiás retomam o canto.  Sábado anoitecia e vai que eu ouço aquele canto marcantemente monótono, destacando-se em meio a outras vozes menos privilegiadas.  Engraçado é que de início achei que era de algum pássaro forasteiro (o que volta e meia ocorre), mas logo me toquei de sua autoria, me tocando ainda que fazia algum tempo que ele não soava.  Por sinal que neste exato instante eis que de novo o ouço, são 5 e meia da tarde. É que os sabiás que ocorrem por cá (além do manjadíssimo sabiá-laranjeira,  há ainda o sabiá-pardo e, mais raro, o sabiá-una) começam a cantar por agora, quando começam a se acasalar e vão até fins do ano, quando parece que os filhotes já se criaram e vai cada um tratar da sua vida sem muita cantoria. Cantam ao cair da tarde e ao amanhecer, o que ainda não ouvi desta vez.  E no auge de sua felicidade conjugal cantam a qualquer hora do dia e duelam duelam duelam.
            Outra maneira, bem menos bucólica, de identificar o fim do inverno exige rapidez e destreza dos meus dotes de cozinheiro.  É a volta dos insetos, principalmente das mariposinhas pequenas que insistem em mergulhar à noite nas panelas, atraídas pela luz da cozinha e de seus fogos. Fazer comida aqui à noite de janelas abertas,  a partir de agora até a volta do frio,  exige que as luzes de fora estejam acesas e que sempre que possível eu tampe os recipientes onde estou cozinhando. Já perdi alguns azeites deliciosamente aromáticos, quando de seu aquecimento para receber os ingredientes do refogado,  por conta dos mergulhos infaustamente suicidas de insetos que resolvem compartilhar comigo as delícias de minha rústica culinária campestre. Quando é só a água fervente eu lamento pelo pobre diabo mergulhador. Quando é algo mais, xingo em dobro.
            Mais uns três meses chegarão as chuvas mais fortes e o retorno significativo da população de anuros.  Li não sei onde que é uma população perigosamente ameaçada de extinção, no que acredito, uma vez que o uso de pesticidas em escala hiper-industrial certamente extermina os insetos de que eles se alimentam.  Aqui mesmo onde moro, um brejo quase ex-brejo (só retoma sua perigosa dignidade de brejo quando das chuvas fortes), tinha há alguns anos muito mais sapos, rãs e pererecas do que hoje.  Mas ainda eles pintam por cá quando o tempo fica mais úmido.  E aí é a hora de prestar atenção para que não estejam sendo cobiçosamente seguidos por jararacas, urutus e outros rastejantes aninsetos.  Mas aí já será outra estação do ano.
           

2 comentários:

  1. Realmente. Eu já estava sentindo falta da cantoria nos galhos da minha vizinha jaqueira. Esses dias acordei com um canto que me parecia familiar. O sono dificultava a identificação, mas enfim, constatei: eram eles, os sabiás. bjssss Neide

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  2. Neide querida,

    pois é, viemos de duas lonjuras e aqui estamos tão perto. que bom saber que você me lê.

    beijo grande do
    Bozzetti

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