sábado, 24 de novembro de 2012

OH MUSA, POR QUE FUGISTE?

                        Você já começa a beber
                        Vou lhe dar caldo de rã
                                   (Aniceto do Império)

Vem
os jilós estão florindo
e na frigideira em breve
lembrarão ares de minas
vem
afasta o capim-bravo
evita as  barbas-de-bode
e áreas de carrapato
cuidado, não mate as mudas
vem
o espinafre todo em ramas
espalhou-se entre as pimentas
é abaixar-se e colhê-lo
estão em final de safra
que aí vêm as bertalhas
junto com o verão fornalha
mas não me arranque toda a rama
destaque folha por folha
dá trabalho, doem as costas
mas é assim, abaixe-se
e não se agaste, vai
vem
enquanto isso eu pego o pato
aquele gordo de que ontem
achavas graça e tão terna
querias criar nos braços
vem
a faca já bem afiada
o sangue jorra e é rápido
nem se dá conta o simpático
que a vida se esvaiu
em vinagre no molho pardo
com que em breve te lambuzas...
vem
que além de tudo, oh musa
musa, oh musa...
repara, o marreco...

(e tudo sumiu de súbito
só responde o eco... eco...)

terça-feira, 20 de novembro de 2012

MALLARMARGENS

           Amigos, a convite de Nuno Rau, um dos editores, passo a integrar como "mallarmago" (autor fixo) a revista online de arte e poesia contemporâneas Mallarmargens, blogue coletivo que tem já mais de 300.000 acessos desde sua fundação em maio deste ano. 
           Para que se tenha uma ideia da dimensão e do funcionamento do projeto "Mallaramargens", transcrevo um trecho da apresentação do blogue:

 "Atualmente com 100 mallarmagos (autores fixos) e 90 mallarmigos (autores, periódicos e espaços culturais), o veículo tem atualizações diárias, com a proposta de ser dinâmico e interativo, assim como a multiesférica arena virtual, de modo a também concretizar, mesmo que em parte, o projeto de livro infinito de Mallarmé. Todas as atualizações são catalogadas em volumes anuais, agrupadas em números mensais e classificadas em colunas: Poemas, Ensaios, Traduções, Galeria, Musicoteca, Videoteca e Notícias.

              Essa possibilidade de retomar em meio eletrônico a ambição de Mallarmé do "livro infinito" , aliada à qualidade dos trabalhos ali postados, além da boa acolhida por parte de seus editores, foram fundametnais para que eu me integrasse entusiasticamente ao projeto, bem como me sentisse honrado pelo convite. 
              Na prática do leitor, o funcionamento se dá sobretudo da seguinte maneira, conforme ainda a apresentação:

 "Por optarmos pela distribuição igualitária dos conteúdos, de forma a não priorizar um autor em detrimento de outro, e por adequar-se à alimentação de alta diversidade e periodicidade (cada autor é responsável por publicar seu conteúdo), escolhemos o formato de blog coletivo com visualização dinâmica.

O usuário-leitor poderá navegar pelo conteúdo de forma aleatória, como convém a “um lance de dados”. Prevalecem as “subdivisões prismáticas da ideia”, como Mallarmé definia seu método de composição poética, rompendo o sentido linear da leitura: “Um lance de dados jamais abolirá o acaso”."


             E ainda esta bela formulação-síntese  da conjugação dos nossos tempos de navegação eletrônica com o sonho-projeto de Mallarmé:

Por fim, a ideia de nossas publicações (nivelando estreia e experiência) e sua disposição dinâmica inspira-se no sonho "mallarmeniano" do livro livre, por sugerir a modificação instantânea executada pelas mãos do autor (usuário do blog), sendo este escritor e leitor ao mesmo tempo; e os links dinâmicos ofertam a navegação "livre", a “escolha do caminho”.

                Na página principal deste "Firma" o leitor encontra o link para a revista.  A seguir, linko abaixo para os poemas de minha estreia:

http://www.mallarmargens.com/2012/11/tres-poemas-de-roberto-bozzetti.html#!/2012/11/tres-poemas-de-roberto-bozzetti.html

                Boa navegação para todos!






segunda-feira, 19 de novembro de 2012

MANOEL DE BARROS

De MATÉRIA DE POESIA


Muita coisa se poderia fazer em favor da poesia:

a – Esfregar pedras na paisagem.

b – Perder a inteligência das coisas para vê-las.
            (Colhida em Rimbaud)

c – Esconder-se por trás das palavras para mostrar-se.

d – Mesmo sem fome, comer as botas.  O resto em Carlitos.

e – Perguntar distraído: – O que há de você na água?

f – Não usar colarinho duro. A fala de furnas brenhentas de Mário-pega-sapo era nua.  Por isso as crianças e as putas do jardim o entendiam.

g – Nos versos mais transparentes enfiar pregos sujos, teréns de rua e de música, cisco de olhos, moscas de pensão...

h – Aprender a capinar com enxada cega.

i – Nos dias de lazer, compor um muro podre para os caramujos.

j – Deixar os substantivos passarem anos no esterco, deitados de barriga, até que eles possam carrear para o poema um gosto de chão – como cabelos desfeitos no chão – ou como o bule de Braque – áspero de ferrugem, mistura de azuis e ouro – um amarelo grosso de ouro da terra, carvão de folhas.

l – Jogar pedrinhas nim moscas...

Manoel de Barros. Gramática expositiva do chão (Poesia quase toda). Civilização Brasileira, 1990.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

ZUCA SARDAN



LUNDU DO GATO PRETO

A Dama de Touca
s'agarrava ao Gato Preto
que vivia fumando charuto
debruçado na janela.
Ou era a velha quem
fumava charuto e se
debruçava ao peitoril
e o gato é quem usava
uma touca de anil?
Ou será que será
diria lá Chico Buarque
ou, quiçás, Manitas de Plata...
que el gato era de porcelana
y la vieja una hortelana…


Zuca Sardan (Carlos Felipe Saldanha).  Osso do coração.   Ed. Unicamp, 1993.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

SEBASTIÃO UCHOA LEITE



Anotação 1:
O pássaro crítico


Mozart tinha um estorninho
Que imitava a música dele
Não só: uma paródia
Ou desafino
De ave zombeteira
Certa vez achou-se uma peça
Do próprio Mozart
E era desarmônico
Espirro musical
Qual se o compositor
Zombasse de si mesmo
Era o próprio músico agora
Seu escárnio estorninho

                                               1992

Sebastião Uchoa Leite.  A ficção vida.  Ed. 34, 1993.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

UMA CANÇÃO INÉDITA COM FRED MARTINS

http://www.mallarmargens.com/2012/11/mallarmusicbox-1-fred-martins.html

   A ótima revista eletrônica Mallarmargem estreou uma nova coluna, a Mallarmusicbox, com uma matéria com o meu amigo e parceiro Fred Martins, músico e compositor de altíssimo gabarito, que reside atualmente na Galícia.  No link que postei acima, a entrevista com Fred, além de dois vídeos nos quais ele interpreta duas canções: uma em parceria com o poeta Manoel Gomes, a outra uma parceria comigo, "Terras do Sem-Fim".  Um dos editores da revista, o poeta Nuno Rau me pediu ainda um pequeno texto falando dessa parceria, o qual ele gentilmente anexou à matéria.  É com grande alegria que remeto vocês para lá.  

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

BUENO DE RIVERA



A MÃO RECEBE O SALÁRIO

A face de lua negra
sobre as moedas vermelhas,
o pagador nos espera.

Somos apenas um número
e a dúvida. Vamos em fila
como os mendigos num sábado.

Lá fora, o pássaro voando,
a rosa crescendo, um cão
no alpendre, um peixe no azul.

Nosso nome declamado.
Os algarismos se dobram
como acrobatas na cena.

A mão recebe o salário,
confere as cédulas: não chega!
Não chega.  O mundo escurece...

Vejo piscinas no céu,
autos voando, navios
partindo para o nunca mais.

Escuto as risadas amplas
no prédio ao lado.  Adivinho
a alegria dos meus donos.

Observo de novo as cédulas:
retratos de heróis, cidades,
as guanabaras em flor...

Cédulas inúteis, não cobrem
a dor dos dias perdidos.
Conto de novo, não chega...

Volto ao lar como um vencido.
O vento do sul nos cabelos,
o soluço dos pés na pedra.

Vergonha das mãos vazias.
Penso no filho, a merenda
escolar entre os cadernos.

Vejo a mulher, Mao no rosto,
os olhos na esquina, à espera
de um vulto lento na tarde.

E teu brinquedo, meu filho?
Mulher doente, e o remédio?
Quero gritar, mas não devo.

Brusco, atravesso a sala
sento à mesa, peço o prato,
mastigo a dor em silêncio.

Mãe e filho chegam tímidos,
sentam-se ao lado, me olham.

Calados, compreenderão.


                        In: Antologia da nova poesia brasileira, 2 ed., Orfeu, 1970.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

MARGUERITE YOUNG



A MORTE PELA RARIDADE

 

Eu temo, temo a raridade

do falcão da noite, graça, goela de rubi: temo extintas

(por inimigo não sabido)

a íbis rosada bico-de-espátula e alva garça real: mortos

 

por uma guerra oculta de extermínio

contra todos, contra um, o galo-tímpano, o flamingo

e o selvagem cisne-clarim, por mais que se escondam, são

onde encontrados, alvo de caça e chacina,

 

pois a raridade precede a extinção, como a doença

a morte, há cansaço na

perfeição da concha e a ave perfeita

não vai nascer nunca,

 

e eu temo a raridade que oprime os encantados

pássaros com nomes de poemas

e a raridade deste sangue tão íntimo

 

- duro gelo em veio de ouro.

 

                                               Tradução de Décio Pignatari


In: Décio Pignatari. Poesia pois é poesia.  Ateliê/Unicamp. 2004