segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

AH, UM SONETO... DE FERREIRA GULLAR


Neste leito de ausência em que me esqueço
desperta o longo rio solitário;
se ele cresce de mim, se dele cresço,
mal sabe o coração desnecessário.

O rio corre e vai sem ter começo
nem foz, e o curso, que é constante, é vário.
Vai nas águas levando, involuntário,
luas onde me acordo e me adormeço.
 
Sobre o leito de sal, sou luz e gesso:
duplo espelho – o precário no precário.
Flore um lado de mim? No outro, ao contrário,
de silêncio em silêncio me apodreço.

Entre o que é rosa e lodo necessário
passa um rio sem foz e sem começo.

 

                        Ferreira Gullar. A luta corporal. 3 ed. RJ: Civilização Brasileira, 1975.

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